Seu Silvio Santos, um ser humano memorável

Por Brigida De Poli*

Os mais velhos devem lembrar-se da revista Seleções, da Reader’s Digest. Era uma publicação norte-americana muito popular nas casas das famílias brasileiras nas décadas de 60 e 70. Trazia artigos bem escritos e circulava em países do mundo todo.

Pouco mais que uma criança, eu adorava ler aquela revistinha cheia de curiosidades sobre outros locais. Seleções era uma espécie de internet do século passado! Eu gostava de ler os contos de escritores como Pearl S. Buck, mas minha seção favorita se chamava “Meu tipo inesquecível”. Ali, os autores escreviam sobre pessoas comuns, mas incomuns. Tenho uma espécie de lista mental dos meus próprios tipos inesquecíveis, ou melhor, dos meus seres humanos memoráveis. Um deles se chama Silvio Santos, mas não, não é o poderoso dono da rede de comunicação.

Sou uma dessas raras pessoas que não dirige carro, o que dificultava ir da parte continental de Florianópolis até a emissora de TV no Morro da Cruz, na Ilha, todos os dias. Naqueles anos me tornei usuária frequente de táxi. Eu ligava para o ponto do Abraão e chamava o motorista que estivesse lá.

A primeira vez que seu Silvio veio me buscar, achei que seria a última. Aquele senhor sorridente, com forte sotaque manezinho, virava a cabeça para trás para falar comigo animadamente enquanto dirigia. Mas, ele veio várias vezes e, aos poucos, fui gostando de seu jeito afável. Passei a ligar diretamente para ele ou para seu fiel escudeiro, Marlon, para me levarem ao trabalho ou me buscarem no fim da jornada.

Seu Silvio gostava de falar de política e, felizmente, pertencíamos ao mesmo espectro ideológico. Outro prazer compartilhado era ouvir música. Numa era pré-uber, ele já se preocupava em agradar o cliente, oferecendo balas, bergamotas e o CD de preferência do passageiro.

Um dia, percebeu o quanto eu gostava de ouvir Andrea Bocelli e, sempre que eu entrava no táxi, ele já dava o play. Tenho a mania de cantarolar e ele me acompanhava. Assim, formávamos uma dupla inusitada, cantando “con te partiróoooo…” pela avenida beira-mar. No sinal fechado, outros motoristas nos olhavam surpresos.

Eu o ouvia contar sobre sua família, o filho músico, a filha professora, ou sobre sua última aquisição de alguma novidade, pois ele curte invenções tecnológicas.

Assim, passaram-se anos. Uma noite, já muito tarde, o chamei para me levar para casa depois de uma jornada de dezesseis horas. Eu estava saindo de uma das mais cansativas e tristes coberturas jornalísticas da minha vida, a enchente de 2008, que matou cento e trinta e cinco pessoas em Santa Catarina. Entrei no táxi, exausta e desolada. Seu Silvio me deu boa noite e desculpou-se pela demora – eu precisei trocar de roupa para não vir buscar a senhora de pijamas! Depois de um dia tão duro, aquele gesto de solidariedade me fez cair em prantos no banco de trás. Daquela vez, ele não conversou. Fez silêncio em sinal de respeito.

Sei que seu Silvio continuou trabalhando até pouco tempo atrás. Bem menos por causa da idade e da saúde. Fazia isso porque adorava trabalhar e por gostar de gente. Espero que outros passageiros, como eu, tenham descoberto naquele ilhéu comunicativo, ex-pescador, ex-comerciante, o ser humano que o tornou um dos meus tipos inesquecíveis.

Depois que deixei a emissora no Morro da Cruz, parei de me encontrar com ele. Então aproveito para deixar aqui no Blog do Abraão, meu abraço e muito obrigada.

Brígida De Poli – Jornalista, autora do livro “As Mulheres
da Minha vida”. Colunista de cinema no portal Making Of

Histórias não faltam na vida de Silvio Santos, morador da Rua Videira, no Abraão. Foi por 45 anos taxista, com ponto no Centro, Bom Abrigo e Abraão.

Antes disso, trabalhou como cobrador, motorista e fiscal na Ribeironense e gerente do Posto Cordeiro, empresas que pertenciam à Francelino Pereira e tinham sede no Abraão.

Começou a trabalhar ainda com oito anos, entregando o leite produzido no sítio do “seu” Chiquinho, no Bom Abrigo, e depois prestando pequenos serviços na residência da família Amin.

Já casado com a dona Jacira, vendeu a casa onde moravam para conseguir comprar uma placa de taxi e realizar o seu sonho de ser um taxista.

Bem-humorado, ele conta que perdeu a conta dos passageiros que, de brincadeira, cantavam “Silvio Santos vem aí”, refrão da música que anunciava a entrada do apresentador no palco.

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