Da falha às indenizações: Rompimento do reservatório da Casan no Monte Cristo completa um ano

As vidas das 386 pessoas da comunidade do Sapé mudaram drasticamente na madrugada de 6 de setembro de 2023. Era por volta das 2h quando o rompimento do reservatório R4, no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, liberou cerca de 2.000 metros cúbicos de água – o equivalente a 2 milhões de litros – transformando as ruas em rios e as casas em escombros, deixando um cenário de devastação em poucos minutos. Um ano depois, o Poder Público e a Casan têm buscado formas de evitar que tragédias como essa se repitam.

386 pessoas do Monte Cristo foram afetadas pelo rompimento do reservatório da Casan – Foto: Germano Rorato/ND

Foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) e o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) no início da noite de quarta-feira. O documento foi formalizado com o objetivo de aumentar o controle e a segurança na implantação de reservatórios.

Embora tenha sido motivado pela ocorrência, o TAC também visa aprimorar a prestação de serviços e prevenir eventuais desastres semelhantes em todo o estado.

“Desde o início da investigação, pensamos na reparação dos danos, na responsabilização dos envolvidos e na apuração do que ocorreu, mas também em algo maior. O objetivo do MPSC, por meio da 7ª e 29ª Promotorias de Justiça, é criar um plano de contingência e medidas preventivas para evitar novos acidentes e, caso aconteçam, definir as ações imediatas a serem tomadas pela Casan”, explicou o promotor de Justiça do MPSC, Wilson Paulo Mendonça Neto.

Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/Arquivo ND

O presidente da Casan, Edson Moritz, afirmou que o MP foi o primeiro órgão público procurado, e que a parceria com instituições, entre elas o TCE/SC (Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina) resultou no TAC, garantindo maior robustez na gestão de situações como essa.

“Foram realizados diversos estudos, inclusive levando ao ingresso de uma ação judicial para buscar indenização contra a construtora e garantir o ressarcimento à Casan, Celesc, prefeitura, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar, que empregaram recursos para atender à comunidade afetada. A Casan adotou várias medidas corretivas a partir do ocorrido”, declarou Moritz.

Indenizações

As indenizações às 179 famílias afetadas foram concluídas pela Casan 107 dias após o incidente. Com o último pagamento, realizado em 22 de dezembro, somou-se aproximadamente R$ 9,7 milhões em compensações.

Casas ficam destruídas após rompimento de reservatório da Casan, em Florianópolis – Foto: Leo Munhoz/Arquivo ND

“Tratamos as pessoas com cuidado e humanidade desde o primeiro momento, atendendo às solicitações o mais rápido possível. A maioria foi atendida conforme orientação dos órgãos de controle. Aqueles que entenderam que não foram devidamente indenizados buscaram a Justiça, e, após decisão, a Casan tomará as providências necessárias”, afirmou Moritz.

O presidente informou que, em acordo com o governo, acionista majoritário da companhia, o antigo reservatório será doado à Secretaria de Estado da Assistência Social, Mulher e Família. A estrutura e o terreno serão utilizados em projetos voltados às políticas públicas da pasta, reforçando o compromisso com ações sociais em benefício da comunidade.

Obra mal executada

A causa do rompimento do reservatório, entregue pela construtora menos de dois anos antes da tragédia, foi atribuída à má execução. A conclusão foi confirmada por quatro laudos técnicos apresentados pelo MPSC, TCE, Polícia Científica do estado e por auditoria da Casan.

Sócios-proprietários da empresa Gomes & Gomes são réus em pelo rompimento do reservatório – Foto: Leo Munhoz/ND

Os dois sócios-proprietários da empresa Gomes & Gomes, responsáveis pela construção do reservatório, e um engenheiro da companhia, encerrado pela fiscalização da obra, são réus em ação penal por crimes contra a incolumidade pública. “Eles terão direito à ampla defesa e a contradizer a acusação. A ação de reparação de danos morais também segue em tramitação na Justiça”, acrescentou Neto.

Outros dois engenheiros da Casan que participaram da fiscalização da obra não foram denunciados, pois aceitaram o acordo de não persecução penal proposto pelo Ministério Público.

Moradores relembram rompimento do reservatório da Casan

Apesar de nenhuma vida ter sido perdida, as consequências foram profundas. Casas, carros e memórias de vidas inteiras foram levados pela força incontrolável da água. A tragédia deixou inúmeras famílias desabrigadas, enfrentando o desafio de reconstruir o que o esforço de uma vida levou anos para construir.

Comunidade ficou devastada com desastre do reservatório da Casan – Foto: Leo Munhoz/ND

O carpinteiro José Geraldo Estevão, cuja casa ficava muito próxima ao reservatório, ainda tem a tragédia vívida em sua memória. “Lembro da hora que a caixa explodiu. Eu e minha esposa levantamos para ver o que tinha causado aquele barulho enorme, e quando olhamos, a água já estava levando tudo pela frente. Aquilo não sai da minha memória e, toda vez que olho para o local, me lembro”, conta.

Segundo ele, alguns parentes que moravam na área mais atingida perderam tudo, mas já foram devidamente indenizados pela Casan. “Eles pagaram tudo direitinho”, confirma.

Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/ND

Odair José da Rosa, dono de uma lavação de carros cujo terreno fica ao lado do reservatório R4, também relembra que a comunidade já desconfiava de problemas.

“Eles vinham direto fazer reparos porque estava vazando água”, lembra. Há dez anos na região, Rosa ficou praticamente um ano sem trabalhar devido à necessidade de reconstruir o terreno.

“Aqui era meu ganha-pão. Estamos correndo atrás para voltar e tentar recuperar o bom público que tínhamos antes. O dia 6 de setembro não sai da cabeça. Se fosse de manhã, quando estávamos trabalhando, talvez eu não estivesse mais aqui”, reflete Rosa.

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