’86 anos de experiência’: Como SC montou uma delegacia ‘casca grossa’ para capturar foragidos

O trabalho de uma delegacia especializada vai além dos procedimentos considerados padrão pela polícia — registro de ocorrência, investigação e elucidação de casos. Autores de crimes violentos costumam dar mais trabalho, principalmente quando fogem para outras regiões do país e recebem ajuda para se esconder. Em tais situações, policiais experientes entram em cena.

Delegacia de Capturas já localizou 175 criminosos foragidos da Justiça, desde que foi instaurada em 2022

Delegacia de Capturas já localizou 175 criminosos foragidos da Justiça, desde que foi instaurada em 2022 – Foto: Ricardo Wolffenbüttel/ Secom/ Divulgação/ ND

Para dar conta de casos mais complexos de rastreamento, Santa Catarina conta, desde 2022, com uma delegacia de capturas, voltada exclusivamente para esse fim. A divisão policial opera dentro da sede da Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais), em São José, na Grande Florianópolis.

À frente da especializada está Allan Antunes Marinho Leandro, delegado com 18 anos vividos em diversos setores da polícia civil. A área de capturas era considerada uma lacuna no sistema de trabalho e, desde que foi implementada, já retirou 175 foragidos das ruas, dentro e fora de Santa Catarina.

Experiência é peça chave da Delegacia de Capturas

Além do delegado Allan, a Decap (Delegacia de Capturas) conta com mais quatro agentes, todos especializados na área. “O mais novo tem 12 anos de polícia”, afirma, em tom leve, o titular da especializada.

Para montar a equipe, foram selecionados policiais que demonstraram, antes de mais nada, muito interesse em procedimentos investigatórios, além de vasta bagagem.

“Eu tenho quatro agentes e o mais antigo tem 22 anos de PCSC. O segundo mais antigo tem 18, o terceiro tem 16 e o mais novo, o nosso ‘novato’, tem 12 anos de polícia — fora eu, que tenho 18 anos de atuação. Somando todos, são 86 anos de experiência”, diz o delegado, que concluiu, recentemente, um curso da S.W.A.T. em Utah, no Estados Unidos.

Antes de liderar a capturas, Allan Antunes atuou nas delegacias de combate a furtos e roubos, homicídios, repressão a entorpecentes, anti-sequestro, central de plantão policial e na CORE (Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais).

Além do trabalho na delegacia, ele também coordena, há onze anos, a parte tática e operacional da Polícia Civil de Santa Catarina. Junto de outros instrutores, é ele quem desenvolve técnicas operacionais e implementa o que será absorvido pela corporação.

“Na atividade fim da Decap, fica um pouco mais fácil de elaborar um plano de ação. Se eu vou prender alguém em um local que tem seis pessoas e nós estamos em número menor, ou igual, tem que ter uma técnica específica para conseguir o resultado esperado”, afirma o delegado.

Allan Antunes Marinho Leandro está à frente da Delegacia de Capturas de Santa Catarina – Foto: Vivian Leal/ ND

Captura de foragidos exige técnicas minuciosas

Para o titular da delegacia de capturas, a bagagem operacional é um dos principais fatores que garantem a eficiência da equipe. “A gente acha o indivíduo e vem a segunda etapa, que é tão ou mais importante, que é capturá-lo sem que ninguém saia machucado”, enfatiza.

Segundo Allan, os alvos que chegam até a Decap são aqueles mais difíceis de encontrar e que, muitas vezes, estão foragidos há mais de 15 anos.

“É difícil achar uma pessoa que não quer ser encontrada e, às vezes, faz uso de nomes falsos, endereços, círculos familiares e de amizades para se proteger”, pontua.

Para chegar até esses indivíduos, técnicas operacionais e de inteligência são fundamentais. “A gente sempre toma muito cuidado e, na dúvida, eu prefiro que não prenda do que exponha a equipe a risco. Quando tem essa periculosidade, ou histórico de resistência à ação policial, a gente monta planos mais elaborados, faz uma análise circunstancial mais apurada”, destaca.

A atuação na captura dos detentos também é bem sucedida graças ao tempo maior que os investigadores têm. Enquanto as delegacias convencionais recebem diariamente as mais diversas ocorrências, a especializada consegue se debruçar em casos específicos, individualmente e por ordem de prioridade.

O tempo, tratamento e detalhamento por trás da informação são os diferenciais da delegacia de capturas.

“Há uma metodologia por trás, mas ela pode ser modificada a qualquer momento. Chega um pedido para prender alguém com dois homicídios no Paraná e há informação de que ele está em Santa Catarina, a gente para tudo, dá uma analisada e vai pra cima daquele, porque foragido é muito situacional. Se você tem indícios de que ele está em determinado local e não vai verificar, a probabilidade de perder é muito grande”, enfatiza o delegado Allan.

“Foragido não tem dono e nem hora para ser preso”, diz delegado

O relacionamento da delegacia de capturas com outros órgãos da segurança também é fundamental para garantir agilidade na prisão de foragidos da Justiça. Em muitos casos, o trabalho de investigação só é bem sucedido graças à efetividade de outras polícias, que dão apoio em regiões em que a Decap não consegue chegar em tempo hábil.

“Todo mundo que investiga quer prender, mas se eu verifico que a delegacia de capturas não vai conseguir chegar em tempo e eu sei que um colega lá de outra cidade vai conseguir, na hora eu ligo — seja polícia federal, militar, ou rodoviária federal — e indico onde ele está, para que seja capturado”, explica Antunes.

Quando não há apoio de outras polícias para capturas em outros estados, é por terra que os agentes da Decap viajam para fazer a prisão do criminoso. Recentemente, os policiais catarinenses viajaram 12 horas, até o interior de São Paulo, onde prenderam um criminoso que matou um policial militar e baleou outros dois, em 2006, durante um roubo a banco, em Barra Velha, no Litoral Norte de Santa Catarina

Foragido desde 2018, ele tinha uma condenação a 72 anos de prisão e constava entre os 15 mais procurados de Santa Catarina.

“Esse ninguém conseguia encontrar, chegou a cumprir pena usando nome falso. Nós nos debruçamos sobre ele, identificamos e conseguimos encontrar. Foragido não tem dono e nem hora para ser preso, desde que a gente pegue, está valendo”, afirma o delegado, comemorando o feito.

Portal de foragidos é aliado em capturas

O portal com informações sobre os condenados mais procurados de Santa Catarina demorou a sair, mas veio a se tornar uma das ferramentas que auxilia os bons índices registrados pela delegacia de capturas.

No ar desde 2023, a página divulga as identidades e as condenações dos principais foragidos, procurados por crimes que vão desde o tráfico de drogas até homicídios.

O site foi lançado dois meses após o portal ND Mais apontar que Santa Catarina era um dos únicos estados do país que não tinha esse tipo de ferramenta. À época, dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontava 575 foragidos foragidos no estado — 25 estão com mandados de prisão abertos há pelo menos cinco anos.

Dentre os critérios para incluir um nome na relação de procurados, a polícia leva em consideração a gravidade dos crimes cometidos, o tempo das condenações, o numero de mandados em aberto e o tempo em situação de foragido.

“Como a nossa dedicação é exclusiva, a cobrança é muito maior também. Se houver um caso em que a comoção seja muito grande, a cobrança será muito maior também”, enfatiza Allan.

Carol Seidler foi morta pela mãe, em dezembro de 2014, aos 7 anos de idade - Reprodução/Redes Sociais/ND

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Carol Seidler foi morta pela mãe, em dezembro de 2014, aos 7 anos de idade – Reprodução/Redes Sociais/ND

Silvana Seidler está foragida desde 2015, após tirar a vida da própria filha - Reprodução/PCSC/ND

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Silvana Seidler está foragida desde 2015, após tirar a vida da própria filha – Reprodução/PCSC/ND

É o caso de Silvana Seidler, de 56 anos. Ela é uma das principais procuradas pela Decap e figura na lista da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal). Ela está foragida desde 2015, quando foi acusada de matar a própria filha em 2014, na cidade de Tubarão, Sul de Santa Catarina.

Carol Seidler Calegari, à época com sete anos, foi encontrada dentro de uma caixa de brinquedos. Junto com o corpo, estava um bilhete escrito ‘esse é o teu presente de Natal’. Silvana e o pai da criança estavam separados.

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