Famílias com mães solo representam 15% dos domicílios no Brasil

A paternidade responsável ainda tem um longo caminho a ser percorrido no Brasil. Embora haja movimentos de transformação social do papel dos pais nas famílias, ainda há desafios a serem enfrentados. Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que aumentou em 18% o número de domicílios com mães solo entre os anos de 2012 e 2022, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões residências em que as mães vivem sozinhas com os filhos. Esse número representa 15% dos 75,3 milhões de domicílios existentes no Brasil. Pesquisa do IBGE aponta que as mulheres dedicam às tarefas diárias o dobro do tempo dedicado pelos homens. Elas passam em média 20 horas por semana cuidando de casa e eles passam 11 horas.

 

Às vésperas do Dia dos Pais, a paternidade responsável tem que fazer parte dos debates de toda a sociedade, afirma a educadora parental Stella Azulay, da empresa Juntos Educação Parental. Ela comenta que houve avanços nesse sentido, mas as estatísticas ainda mostram que há muito trabalho a ser feito. O levantamento Retrato da Paternidade do Brasil, do Grupo Boticário, revela que 90% dos homens defendem a divisão de tarefas nos cuidados diários com os filhos. A teoria, no entanto, não se confirma na prática. O mesmo estudo mostra que apenas 50% dos entrevistados se consideram participativos na vida das crianças.

 

Não se trata apenas de conceito, mas de legislação. A Constituição Federal determina que o direito da criança ou adolescente ao reconhecimento do seu estado de filho é absoluto, podendo ser exercido a qualquer tempo. O princípio da paternidade responsável também está no artigo 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo que o reconhecimento do estado de filiação é direito “personalíssimo, indisponível e imprescritível”. Mais do que direito, a paternidade responsável é fundamental para a evolução humana, afirma Stella.

 

“Um mundo melhor se constrói com pessoas melhores e pessoas melhores são construídas dentro de casa”, alega a educadora parental. Ela explica que a paternidade responsável é a divisão de tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, sem concessões. “Hoje em dia não podemos mais pensar que o homem, a figura paterna, ajuda a mulher. Ele não está ajudando, está participando de forma responsável da dinâmica de sua família, dividindo tarefas, atuando efetivamente na criação e educação dos filhos”, diz.

 

Segundo Stella, essa participação deve acontecer com firmeza e autoridade, mas sem autoritarismo ou agressividade. Ao pai responsável cabe definir as regras e as referências da casa, junto com a mulher, e fazer com que elas sejam respeitadas de maneira gentil. “A figura paterna autoritária morreu, não existe mais. A figura machista ficou fora de moda. O homem hoje tem que administrar o equilíbrio entre firmeza e gentileza. Construir regras para a família junto com a mulher e saber como cultivar e manter as regras de forma saudável, entendendo com sabedoria os momentos de flexibilizá-las”, afirma.

 

A divisão de tarefas em casa e a paternidade responsável trazem uma referência positiva da masculinidade para os filhos homens ou mulheres, forma cidadãos saudáveis emocionalmente e socialmente, que vão construir novas famílias saudáveis. “De modo geral, filhas que têm pais autoritários e abusivos vão acabar tendo relacionamentos no mesmo nível. Filhas de pais ausentes e permissivos demais vão buscar figuras paternas nos seus relacionamentos. Já os filhos tendem a repetir a postura e o comportamento do pai”, comenta Stella.

 

Os resultados do exercício da paternidade responsável são famílias harmoniosas, nas quais prevalece o diálogo. “Toda a família ganha, inclusive os próprios pais”, diz a educadora parental. De acordo com ela, em um ambiente harmonioso, no qual a família está conectada, não há cobranças desnecessárias. “O pai não pode ser visto como provedor, mas como ser humano. Precisa ser ouvido e respeitado em um ambiente positivo, aconchegante e acolhedor”, alega.

 

Valores

 

Stella defende que as estatísticas precisam ser revertidas e que isso somente vai acontecer a partir da mobilização social em busca de famílias saudáveis. Segundo ela, a paternidade precisa ganhar um olhar mais sério das autoridades e da mídia. A educadora parental acrescenta que os pais também devem contar com suporte e rede de apoio. “Muitos pais abandonam suas famílias porque se sentem perdidos, incapazes. A paternidade mexe com a masculinidade e alguns pais preferem fugir quando percebem que não têm capacidade de prover aquilo que consideram importante para a família”, diz.

 

Mas há ainda os que consideram a mulher responsável pelos filhos e pela casa, não se sentem seguros ou não amadureceram, conforme Stella. “Acabam sendo irresponsáveis por falta de ferramentas, maturidade e conhecimento”, alega. Ela lembra que o Brasil ainda vive uma cultura machista, que traz prejuízos à sociedade, não apenas na questão dos filhos, mas no trato da mulher. “Questões como violência e abuso dentro de casa, feminicídio, são frutos da mensagem machista antiquada, que não tem mais espaço dentro de uma sociedade moderna”, argumenta.

 

A educadora parental explica que é preciso “virar a chave do machismo”, desmistificar a imagem do homem autoritário, agressivo e provedor, que não participa da rotina da casa e dos filhos. Para isso, defende Stella, é preciso muito debate público e conscientização e, cada vez mais, estabelecer nas famílias a paternidade responsável. A figura paterna equilibrada impacta toda a sociedade positivamente, já que os filhos se espelham neles para a formação de valores como honestidade, dignidade, empatia e consciência social.

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