Turbulência para os consumidores da 123 Milhas

A empresa de viagens 123 Milhas protocolou um pedido de recuperação judicial, na terça-feira (29), na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, Minas Gerais, alegando uma dívida de R$ 2,3 bilhões.

A agência de viagens online oferece a compra de passagens, hospedagens e outros serviços e produtos de viagens, como pacotes, seguros e aluguel de carros;

No entanto, a companhia havia interrompido as atividades de sua linha promocional “Promo” em 18 de agosto, afetando as viagens agendadas entre setembro e dezembro de 2023.

Essa medida foi atribuída a desafios econômicos e de mercado, incluindo a elevada demanda por voos, que manteve os preços nas alturas mesmo durante os períodos de menor movimento, além das taxas de juros elevadas.

Os montantes pagos por clientes que haviam adquirido produtos da linha “Promo” seriam restituídos integralmente através de vouchers, corrigidos em 150% do CDI, podendo ser utilizados para a aquisição de outros produtos da própria empresa. Contudo, a empresa justificou que está temporariamente impedida, por lei, de realizar desembolsos enquanto o pedido de recuperação judicial é avaliado.

As ações judiciais movidas por clientes e credores em todo o país têm se acumulado, ultrapassando 1,3 mil apenas em Minas Gerais. A Secretaria Nacional do Consumidor considerou a interrupção dos vouchers pela 123 Milhas uma violação de contrato e planeja uma reunião com os proprietários da empresa e o Ministério Público para adotar providências que minimizem os prejuízos aos clientes.

Ocorre que, o deferimento do processamento da recuperação judicial engloba os acordos e outras relações legais firmadas pela 123 Milhas que passam a desfrutar de uma salvaguarda legal (Stay Period) contra procedimentos de execução ou qualquer outro ato que possa constranger seus ativos (ex. penhora) por um intervalo mínimo de 180 dias, com a possibilidade de extensão por igual prazo.

Em outras palavras, é possível afirmar, na prática, que os credores terão que permanecer em um estado de “espera” pelo prazo mínimo de um ano, sem a capacidade de reivindicar seus créditos de forma total ou efetiva (exceto, evidentemente, em casos de circunstâncias novas que alterem drasticamente a trajetória do processo, como o não cumprimento de alguma disposição da Lei de Recuperação Judicial que resulte na conversão do procedimento em Falência).

Desse modo, os créditos vencidos ou a vencer até a data do pedido de RJ estão sujeitos às condições futuramente impostas pelo plano de recuperação judicial (descontos, parcelamentos, prazos de carências, etc), salvo as exceções legais, à exemplo das travas bancárias e dos negócios jurídicos fiduciários.

Por outro lado, os créditos que forem originados após o pedido da RJ não estão sujeitos à recuperação judicial e deverão ser pagos “normalmente”, sendo necessário alertar que se estará tratando de uma devedora com a capacidade de pagamento, em tese.

A empresa afirma que não irá suspender suas atividades, mas de fato todos os consumidores e credores da empresa passarão a depender da decisão do novo comitê, antes de receberem seus créditos, pois os detalhes da regularização dos pagamentos serão definidos em assembleia geral, por meio do plano de recuperação judicial.

Isso ocorre porque, na recuperação judicial existe uma ordem de pagamento, antes dos consumidores prejudicados – credores quirografários – há os créditos trabalhistas, os tributários e os definidos em garantia real. Além disso, só se avança para a categoria seguinte se a anterior estiver totalmente satisfeita.

De mais a mais, o código consumerista não deixa de ser aplicável às relações de consumo em que figurem empresas em Recuperação Judicial – o que sequer ainda é o caso da 123 milhas, pois a recuperação judicial ainda se encontra em fase inicial de processamento, não sendo concedida em definitivo, o que apenas ocorrerá após e se houver aprovação do referido plano de recuperação judicial, ainda a ser apresentado e homologado pelo juiz.

Neste contexto, a 123 Milhas busca enfrentar as dificuldades do mercado de viagens e traçar uma rota de reestruturação para superar os desafios financeiros atuais.

 

Por Filipe Denki é secretário Adjunto da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, especialista em Direito e Processo Civil

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