Definição de casal e família é subjetiva e reconhecimento é uma obrigação do Estado

Somos um casal de dois homens e formamos uma família com cinco filhos. Embora eu acredite que um casamento feliz é aquele em que se vive bem, pedi a mão do meu companheiro, Duda, em casamento para a mãe dele na noite de Natal de 2012. Nos casamos exatamente um ano depois.

Até então, não víamos a possibilidade de aumentar nossa família, pois não havia amparo legal para isso. Foi apenas em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal permitiu que casais do mesmo sexo adotassem crianças, que vimos a oportunidade de fazê-lo. Um ano após a legalização, adotamos nossa primeira filha, que já tinha 8 anos de idade.

O que não imaginávamos era que, seis anos mais tarde, seríamos surpreendidos com a notícia de que ela tinha mais quatro irmãos e que eles estavam na fila de adoção. As chances de eles serem divididos ou permanecerem no abrigo, como acontece com milhares de crianças, eram bastante altas. Foi assim que um casal composto de dois homens formou uma família com cinco filhos.

Tenho acompanhando com espanto o parecer o deputado Pastor Eurico (PL-PE), que tenta, por meio de um projeto de lei, proibir a união civil homoafetiva, e com isso impedir que esse tipo de união seja equiparada ao casamento heterossexual ou tratada como “entidade familiar”. A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados deve novamente debater essa pauta na próxima semana.

O Deputado poderia observar que, conforme dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça, existem 32.512 crianças acolhidas, e destas pelo menos 4.425 já estão disponíveis para adoção. Os motivos? Negligência, violência e abuso lideram a lista, e muitos dos pais dessas crianças, provavelmente heterossexuais, são casados.

Então, como homem casado com outro homem, não posso querer que equiparem nossa união com esse cenário e nem com as 35.544 pessoas ou famílias dispostas a adotar, porque temos algo de diferente e que precisa ser conhecido.

Sim, vivemos um momento de transição histórica. É uma era de liberdade de expressão do ser, de aceitação das pessoas pelo que elas são e, acima de tudo, de manifestação do amor. A definição de família também mudou, hoje sabemos que existem pessoas do mesmo sangue que são extremamente tóxicas a seus semelhantes, e das quais a melhor alternativa é se afastar.

Por outro lado, pessoas que se unem pelo afeto são exemplos de convivência em harmonia. Viemos de uma época de casamentos arranjados pelos pais, de violência contra as crianças, de trabalho forçado na infância, tudo isso validado pela sociedade de forma escancarada.

É preciso olhar para as famílias que pedem apoio para educar seus filhos, é preciso olhar para os casos de alcoolismo, violência doméstica e abuso, entender os motivos que levam milhares de crianças para abrigos anualmente e amparar essas famílias verdadeiramente com projetos que funcionem. Além, é claro, de agilizar processos e também criar um sistema de acompanhamento para pais que adotam crianças “mais velhas”, já que 93% das pessoas querem crianças pequenas, pincipalmente meninas de até um ano de idade.

Em tão poucas linhas espero ter demonstrado que precisamos mudar muitas coisas nas relações e no entendimento das necessidades humanas. Torço para que o amor realmente prevaleça, porque esta é a bandeira erguida por quem se casou com alguém do mesmo sexo e formou uma família afetiva e nada convencional da noite para o dia, assumindo a responsabilidade da parentalidade de cinco crianças que estão muito bem assistidas, acolhidas e amadas.

Se, em vez de relatar o que pode ou não pode, o que é certo ou errado, buscando definição para casamento e família, os esforços fossem concentrados na solução das questões apontadas, com certeza teríamos famílias mais estruturadas e crianças vivendo de uma maneira mais digna.

Então, com todo o respeito, se o Deputado Eurico quiser criar uma categoria de casamento para enquadrar pessoas que optaram pela parentalidade responsável, que se uniram porque se amam e se respeitam, que dedicam o propósito de suas vidas para a reconstrução da família e a quebra de ciclos, possibilitando uma era de mais entendimento e amor, pode me incluir, acredito que não faço parte do passado que descrevi aqui, assim como muitas pessoas, independentemente de seu gênero. Nossa era é outra, à qual a lei ainda não conseguiu se adequar, mas tudo é uma questão de tempo.

Por Geninho Goes

 

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