Pesquisa conduzida na UFF obtém ‘leite vegetal’ a partir de planta nativa

O Grupo de Pesquisa em Ciência e Tecnologia de Alimentos do Laboratório de Biotecnologia de Alimentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF), liderado pela nutricionista Josiane Roberto Domingues, desenvolveu uma opção de “leite vegetal” a partir das sementes da munguba, árvore nativa distribuída por todo o todo o território brasileiro. A grande vantagem, além da ocorrência por todas as regiões do País, é que a munguba (Pachira aquatica) permite a produção de “leite vegetal” a um custo mais acessível em comparação aos já existentes, além de ser uma opção nutritiva e sustentável. 

Segundo dados do Plano Diretor de Arborização da Cidade do Rio de Janeiro, a munguba é a terceira espécie mais frequente na arborização da cidade. A árvore é fácil de ser encontrada na paisagem urbana do Rio, tendo sido utilizada desde os primórdios dos plantios urbanos da cidade. Com uma copa frondosa e densa, que produz boa sombra, tem floração entre dezembro e fevereiro, quando seu perfume predomina no ar. Seu fruto grande e pesado tem formato semelhante ao do cacaueiro, o que deu origem a um dos nomes vulgares da planta: falso-cacau, mas também mamorana, castanheiro-do-Maranhão, entre outros. A espécie está distribuída por todo o município, com concentrações na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, e espécimes isolados em vários locais da cidade, como o Parque dos Patins, na Lagoa. 

A boa notícia para os veganos, que comemoram seu dia em 1º de novembro, é que além do “leite vegetal”, a equipe de pesquisadores obteve também um probiótico, a partir da fermentação da bebida. Objeto da dissertação de mestrado do biólogo Luiz Henrique de Oliveira Cruz, que também possui habilitação em Biotecnologia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), a pesquisa conta também com a colaboração da estudante de graduação em Nutrição na UFF, Raíssa Machado Nascimento.

Conjunto de árvores de munguba adultas na Quinta da Boa Vista, onde a equipe coletou frutos

As sementes em grande quantidade foram coletadas na Quinta da Boa Vista, onde há uma concentração da espécie. Apesar de a população amazônica ter o hábito de consumir as castanhas de munguba torradas, na forma de farinha e em outras variações, há poucas informações disponíveis na literatura científica. Para suprir essa carência, o grupo se aprofundou no estudo das características químicas da semente e seus compostos bioativos antioxidantes. Assim como outras castanhas, a semente da munguba tem alta concentração de lipídios ricos em ácidos graxos, inclusive os insaturados, benéficos à saúde. 

“O processo de obtenção do extrato hidrossolúvel vegetal, popularmente denominado “leite vegetal”, é muito simples e barato, com a vantagem de contribuir para reduzir o impacto ambiental gerado pela produção de leite animal”, ressalta Josiane. 

A partir da produção do extrato hidrossolúvel (leite vegetal), a equipe do projeto deu mais um passo, desenvolvendo uma bebida fermentada, rica em probióticos. A nutricionista revela que um dos desafios foi encontrar microrganismos específicos para a espécie vegetal. Os pesquisadores usaram uma cultura protossinbiótica de bactérias láticas semelhante à utilizada para a fabricação de iogurte e ela se desenvolveu bem no substrato vegetal, não só conduzindo a fermentação como também aumentando a concentração de microrganismos (probióticos) ao final da fermentação. 

A bebida fermentada resultante tem características sensoriais próximas ao que se encontra em leites fermentados, como o Yakult, mas com algumas diferenças, entre elas uma acidez menor. A equipe também verificou as condições da bebida fermentada em armazenamento. Sob refrigeração, a bebida manteve os microrganismos viáveis, o pH e a acidez estáveis, sem desenvolvimento de deteriorantes como leveduras e bolores, preservando suas propriedades nutricionais, químicas e sensoriais.

Luiz Henrique, Josiane (centro) e Raíssa: estudo das características químicas e dos compostos bioativos antioxidantes da semente

O estudo conta com apoio da FAPERJ por meio do Auxílio Básico à Pesquisa (APQ1), além de bolsas de Iniciação Científica e Iniciação Tecnológica. Josiane também foi contemplada no Programa de Apoio às Cientistas Mães com vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro. O artigo intitulado Development of plant-based yogurt from munguba (Pachira aquatica) seeds: stability and predictive growth of lactic acid cultures com resultados da pesquisa foi publicada no periódico Food Bioscience. 

Josiane Domingues é mestre em Nutrição Humana e doutora em Ciências (Biotecnologia Vegetal) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua linha de pesquisa busca desenvolver processos para o aproveitamento de subprodutos da indústria de alimentos, como cascas e sementes de frutas, por exemplo. Ela conta que já  estabeleceu parceria com uma rede de hortifrutis para reaproveitar a casca de melancia, transformada em farinha para ser usada na fabricação de pães. Outra iniciativa foi junto a uma cooperativa de cacauicultores da Bahia para aproveitamento da película da amêndoa do cacau na produção de kombucha. 

O biólogo Luiz Henrique de Oliveira Cruz tinha familiaridade com a munguba por meio de estudos anteriores. “Essa planta possui riqueza em nutrientes e compostos bioativos, o que a torna uma alternativa viável para a produção de alimentos saudáveis”, frisa o pesquisador, que ainda ressalta a disponibilidade da espécie em várias regiões do Brasil, o que facilita a coleta e a análise. “A minha proposta se alinhou à linha de pesquisa da professora Josiane, que se dedica ao reaproveitamento de resíduos agroindustriais. Em parceria, trabalhamos em busca de novas fontes alimentares, de maneira que valorize a biodiversidade brasileira”, relata o pesquisador. Sua tese de doutorado terá um novo desafio: transformar as sementes de munguba em base para a fabricação de chocolate. 

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