História do Sul da Ilha – parte 10

A chegada do ônibus no Campeche e a casa do Zacarias
 Casa do Zacarias e Laura com a neta Viviane.

A chegada do transporte público (ônibus) no Campeche se deu por volta de 1968, um pouco antes da chegada da luz elétrica, por volta de 1970. Era uma linha de ônibus que partia do Centro da cidade na Rua Bulcão Viana, no muro do Instituto Estadual de Educação em frente ao Tribunal de Contas de Santa Catarina.

A linha de ônibus era oficialmente denominada de Canto da Lagoa, pois partia do Centro, passava pelo Campeche dirigindo-se até o final do Canto da Lagoa nas proximidades da entrada do LIC (lagoa Iate Clube) onde era o ponto final. Retornava e fazia o mesmo percurso.

Vejam que a estrada pavimentada terminava no final da Costeira do Pirajubaé (Trevo da Seta). De lá para o Sul da Ilha era uma estreita estrada com muita lama ou poeira e ainda solo arenoso. Isso fazia com que as viagens se tornassem longas, cansativas e cheias de dificuldades.

Eram três viagens ao dia. As seis e às onze horas da manhã ida e volta, e às seis da tarde somente em direção ao bairro. Aos poucos os moradores vão adquirindo o hábito de irem ao centro da cidade de ônibus e passam a agregar novos vocabulários em seu linguajar: Vou descer; vou ao centro, vou pegar o carro (ônibus) das seis.

O itinerário era pela Avenida Pequeno Príncipe até o Casarão da Aviação Francesa. Daí cortava pelo meio do Campo de Aviação saindo na proximidade da Rua Catavento, seguindo pela Rua da Capela saindo na Avenida Campeche em direção a Cruz do Rio Tavares, finalizando no Canto da Lagoa.

Algumas regiões do Campeche, como Avenida Campeche do Casarão da Aviação Francesa até a Capela São Sebastião, e a Rodovia Luiz Antônio de Moura Gonzaga do Trevo do Rio Tavares (elevado em construção) até o entroncamento com a Avenida Campeche ficaram muitos anos sem o benefício do transporte coletivo em suas portas.

Em dias de muita chuva era comum o ônibus atolar e os passageiros eram convidados a empurrá-lo. Nestes dias o ônibus não chegava ao Canto da Lagoa, pois não conseguia subir ao Morro do Badejo, pois deslizava na lama e atolava.

O ônibus era da Empresa Ribeironense pertencente ao Francelino Cordeiro (França) da família Cordeiro do Ribeirão da Ilha. Os ônibus eram numerados e o que fazia a linha do Canto da Lagoa via Campeche era o número 10. Era um ônibus muito precário, sem conforto que muitas vezes quebrava, sem conseguir cumprir o itinerário. O motorista era sempre o mesmo e quando era substituído o substituto passava também por um longo período na linha. Isso fazia com que os laços entre motoristas e passageiros fossem de muita proximidade. Lembro aqui os motoristas, Botinha, Bonifácio, Reis, Flagelado, Julio, Dorival entre outros.

Antes da implantação desta linha de ônibus os campecheanos se viravam de diversas formas para chegar ao centro da cidade. Primeiro iam a pé, a cavalo, de carroça ou de bicicleta.

Quando a linha do ônibus do Saco dos Limões se estende até o 
final da Costeira do Pirajubaé (Trevo da Seta) muitos passam a ir a pé ou de bicicleta até lá.

No início dos anos de 1960 ocorre a implantação das linhas de ônibus do Pântano do Sul e Ribeirão da Ilha amenizando um pouco o sacrifício para se chegar ao Centro da cidade. Os moradores do Rio Tavares ao longo da Rodovia Luiz Antônio de Moura Gonzaga e os moradores da região do Mato Dentro ou Campina no Campeche se deslocavam a pé ou de bicicleta até o Porto do Rio Tavares, no atual elevado do Rio Tavares em construção. Deixavam a bicicleta na Casa do Milton Otávio conhecido como Milton Tatu ou na casa do Dorico, tomando o ônibus que vinha do Pântano do Sul ou Ribeirão da Ilha.

Os moradores da parte sul do Campeche, região conhecida como Pontal, se deslocavam pela Estrada Geral, hoje Avenida Pequeno Príncipe, até o Trevo do Campeche a pé ou de bicicleta para tomar o ônibus até o centro da cidade.

A bicicleta era guardada na casa do Zacarias que passou a ser um ponto de referência para o povo do Campeche.

Zacarias Lúcio da Silveira era nativo, filho de Lúcio Henrique da Silveira e Clara Augusta da Silveira, casou com Laura Isabel da Silveira em 23 de dezembro de 1950. Zacarias foi visitar sua irmã Paula que estava internada no Hospital de Caridade, quando conheceu a enfermeira Laura e por ela se encantou. Laura era de Santo Amaro da Imperatriz, trabalhava na agricultura e depois no hospital. Ao casar-se deixou o trabalho no hospital vindo a morar na casa da sogra no Trevo do Campeche e dedicar-se a agricultura juntamente com o marido.

A casa era conjugada com um engenho de farinha de mandioca, de onde o casal tirava o sustento da família. Laura era responsável pela última etapa da farinhada, que era fornear a farinha no forno de cobre aquecido por toras de lenhas. Das mãos dela saia uma farinha de excelente qualidade além dos deliciosos beijus e cuscuz. Dona Laura também torrava café. O casal teve uma única filha, Isabel.

Zacarias era um bom papo e estava sempre disposto a contar uma história possibilitando a risada geral. Quando começava a conversar esquecia até mesmo dos afazeres. As pessoas chegavam cansadas do trajeto, guardavam a bicicleta, encostando-as na cerca sem necessidade de cadeado, tomavam uma água, as vezes um beiju e aguardavam o ônibus.

Ali também era uma parada obrigatória dos motoristas de ônibus que aproveitavam para tomar um cafezinho servido por Dona Laura e prosear com o Zacarias até o horário de partida.

Zacarias faleceu em 09 de junho de 1984 aos sessenta e seis anos de idade em plena época da farinhada, vitimado por um AVC, mas Dona Laura está entre nós com seus 93 nos de idade e me conta que às vezes guardava mais de vinte bicicletas e nomeia alguns proprietários: Domingão, Amado, Tito do Deca Rafael, Filhos do Florêncio, Filhos do Deca Rafael e tantos outros. Ela me diz ainda que seu Maneca do Anazário e Aristides da Costa iam de bicicleta até a penitenciária onde trabalhavam. Dona Laura lembra que o velório do Zacarias foi realizado em casa e na noite foram servidos muitos cafés com beijus e cuscuz.

Mesmo com a implantação da linha do Canto da Lagoa via Campeche muitos moradores continuaram a embarcar e desembarcar no trevo do Porto do Rio Tavares e no Trevo do Campeche, que naqueles tempos era mais conhecido como trevo do João Rangel, pois até ali se pagava a metade da passagem e também porque os horários da linha do Canto da Lagoa via Campeche eram insuficientes.

As linhas dos ônibus do Pântano do Sul e do Ribeirão da Ilha, principalmente nos primeiros horários da manhã passavam na fazenda do Rio Tavares (Trevo do Campeche) totalmente lotados, obrigando a Empresa a colocar uma linha específica às sete horas da manhã, que partia do Trevo do Campeche em frente à casa do João José Laureano (João Rangel) em direção ao Centro da cidade, pegando os passageiros ao longo do caminho. Essa era a linha de ônibus que eu pegava todos os dias, no Trevo do Porto do Rio Tavares para estudar no Centro da Cidade, de 1974 a 1977, nos estudos ginasiais, hoje denominado Ensino Fundamental II.

Podemos então concluir que o transporte público em nossa cidade sempre foi extremamente precário, mas nada se compara aos tempos de antigamente.

Em breve traremos mais trechos marcantes do nosso passado recente. Quer contribuir no resgate da histório do Sul da Ilha? Envie suas fotos para nós: [email protected]

Florianópolis, 18 de novembro de 2017

Texto: Hugo Adriano Daniel – Professor de História [email protected]

Fotos: Arquivo da família da Dona Laura
 

 Zacarias abraçado ao motorista Dorival.O casal Zacarias e Dona Laura Zacarias e familiares na lida do gado.

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