ODH: Direito ao trabalho é fundamental para assegurar demais direitos

O enfrentamento a todas as formas de escravidão contemporânea foi discutido durante a reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, realizada nessa terça-feira (27/2). O ODH é um observatório de direitos humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, na reunião, recebeu propostas para o enfrentamento do tema, como a de reconhecer o trabalho como direito transversal a todos os demais direitos. Também foram indicadas a criação de um grupo de especialistas para discutir sobre trabalho doméstico e a necessidade de desenvolvimento de estudos sobre interrelações entre as questões étnicas e o trabalho escravo contemporâneo.

A reunião integrou a programação do seminário “Direito Fundamental ao Trabalho Decente”, promovido pela Justiça do Trabalho em Bento Gonçalves (RS). A partir dos debates sobre o documentário “Servidão”, do cineasta Renato Barbieri, os participantes apontaram questões que precisam ser trabalhadas pelo Observatório.

Segundo a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Vilanova, que conduziu a reunião, é preciso reconhecer a humanidade de todas as pessoas, desde sua concepção, para que elas nunca estejam vulneráveis à escravidão moderna. Ela destacou que, entre os eixos prioritários estabelecidos pelo ODH para o ciclo de trabalhos até 2025, estão as vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais.

O Observatório considera que o trabalho decente é um direito humano fundamental e central à existência digna de todas as mulheres e os homens. Ao analisar as origens históricas da escravidão e sua perpetuação no Brasil, como apresentado no documentário, a juíza questionou “se o indivíduo deixa de ser tratado como ser humano ou se ele nunca foi visto como tal”.

O cineasta Renato Barbieri participou dos debates e afirmou que a erradicação do trabalho escravo só vai acontecer quando houver uma união de propósitos de toda a sociedade e instituições. “Precisamos de um trabalho pedagógico em todas as instâncias. O real nos humaniza e, no documentário, falamos disso: se isso está entranhado na lei, o quanto não está no tecido social?”

A conselheira do CNJ Renata Gil destacou que é preciso falar sobre o tema, pois é uma realidade em muitos estados. “A Justiça precisa enfrentar essa realidade. Não há outro caminho para tirar as pessoas da situação de risco, hipossuficiência, abandono e indignidade, se não o trabalho decente”. Ela afirmou que o CNJ deve assumir a responsabilidade de colocar a Justiça dentro desse universo. “Nosso papel é evitar que outras pessoas sejam sacrificadas. Que tenhamos tempo de salvar pessoas que batem na porta da Justiça e que continuam invisíveis aos olhos da sociedade”.

Também acompanharam as discussões: os conselheiros Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, Marcos Vinícius Jardim, Marcello Terto, João Paulo Schoucair e a conselheira Daiane Lira.

Propostas

Os participantes da reunião ressaltaram a importância do documentário “Servidão” e como as questões tratadas trouxeram inquietações pessoais. O trabalho doméstico, por exemplo, foi destacado como uma questão que precisa ser estudada pelo ODH.

Segundo dados apresentados pela representante da organização Themis, Jéssica Miranda Pinheiro, dos seis milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos, 92% são mulheres, 68% são negras e a maioria tem baixa escolaridade. “Esses trabalhadores contribuem para a autonomia financeira do país, embora sua importância não seja reconhecida, já que fazem o trabalho da casa e do cuidado dos filhos para que outras pessoas possam realizar o serviço externo”, destacou Jéssica.

Para as juízas Luciana Paula Conforti e Claudirene Andrade Ribeiro, representantes Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), o direito ao trabalho decente é tema transversal a todos os eixos do ODH, uma vez que sem o direito ao trabalho, não se conquista os demais direitos.

Elas afirmaram que é preciso analisar a violência e as violações no trabalho contra as mulheres, as crianças e o ambiente que podem estar relacionados à servidão. “É preciso pensar em políticas próprias para essas situações. As interrelações entre as questões étnicas e as realidades específicas apontam para o quanto as pessoas vulneráveis são mais assediadas pelo tráfico de pessoas, por exemplo”, destacou Claudirene Andrade.

Luciana Conforti apresentou também a proposta de apoio ao avanço no julgamento do Tema de Repercussão Geral 1158, debatido no Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece a constitucionalidade da diferenciação das condições de trabalho que o tipificam como degradante em razão da realidade local em que seja realizado. Ela destacou que o padrão de provas para condenação pelo crime de redução a condição análoga à de escravo pode ser definido pelos relatórios das fiscalizações do Trabalho. Além disso, também falta ao Brasil a ratificação da Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que responsabiliza os Estados pela escravização.

O Observatório ainda deve receber outras propostas por meio de formulário eletrônico enviado às entidades que compõem o colegiado para construir um relatório sobre o tema.

Observatório

Criado em 2020, ODH tem o objetivo de fornecer subsídios para a promoção dos direitos humanos e fundamentais no âmbito dos serviços judiciários. O grupo é composto por conselheiros e conselheiras do CNJ, servidores e servidoras do órgão, membros da sociedade civil e entidades representativas com experiência na efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana. No ciclo de 2023 a 2025, o trabalho está orientado por cinco eixos prioritários: equidade étnico-racial; direitos fundamentais no Sistema de Justiça Criminal; vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais; direitos das mulheres, diversidade sexual e igualdade de gênero; e infância e juventude.

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