
Responsável pelo desenvolvimento do CONO, Ana Clara Stüpp é aluna do curso de Sistemas de Informação da UFSC. Foto: acervo pessoal/reprodução
Um programa desenvolvido no projeto Céos, vinculado ao Departamento de Informática e Estatística da Universidade Federal de Santa Catarina (INE/UFSC), auxiliará o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em investigações de fraudes em licitações e contratos públicos no estado.
O CONO: Um Coletor Automatizado de Notícias sobre Corrupção em Santa Catarina, projetado pela estudante Ana Clara Stüpp, do curso de Sistemas da Informação, foi construído para o MPSC com intuito de coletar dados relacionados à corrupção noticiados na mídia catarinense.
A fim de impulsionar a análise e o andamento de investigações, o CONO mapeia notícias publicadas em portais de notícias on-line de todo o estado em busca de palavras e termos-chave, como “licitação fraudulenta”, “mandado de busca”, “corrupção” e “fraude”.
Após o mapeamento, o programa realiza a validação dos termos e destaca as cidades, os nomes de pessoas e organizações, os tipos de fraudes e os valores em dinheiro mencionados. Todas essas informações ficarão armazenadas em um banco de dados de acesso exclusivo ao MPSC, que as utilizará para complementar e auxiliar o acompanhamento e prosseguimento de investigações.
O método aplicado pelo CONO, que se baseia na coleta automatizada de dados e “raspagem” de notícias da internet, é denominado crawler. Para interpretar parte dos textos, o programa utiliza um Large Language Model (LLM) – Modelo de Linguagem Grande, em português.
O LLM é um tipo de modelo de Inteligência Artificial (IA) que utiliza vastos conjuntos de dados para entender, gerar e manipular a linguagem humana. Esses modelos são treinados com grandes quantidades de conteúdo e podem realizar tarefas como geração de texto, tradução, resumo e resposta a perguntas.
Tecnologia a serviço do bem público
Com a colaboração e o financiamento do MPSC, o projeto Céos surgiu em 2023 pela necessidade de gerenciamento e análise da crescente quantidade diária de dados digitais sobre serviços e processos, com enfoque principal em analisar fraudes em licitações públicas. A parceria se originou do contato do professor Jônata Tyska Carvalho, atual coordenador-geral do projeto, com o promotor de Justiça do MP Guilherme Zattar.
Conforme a professora Carina Friedrich Dorneles, responsável por supervisionar e orientar o desenvolvimento do CONO e uma das coordenadoras do Céos, antes do início das atividades do laboratório, os alunos e professores realizaram reuniões, workshops e entrevistas com representantes do MP sobre o funcionamento de processos de licitação.
O acompanhamento com os profissionais do órgão teve como objetivo compreender as tipologias de fraudes nos processos públicos, desde a abertura de editais até a assinatura de contratos. Foi durante esse período que nasceu a ideia do coletor de notícias sobre corrupção.
“Durante uma dessas entrevistas, uma das promotoras deu a ideia de que seria interessante ter um aplicativo que coletasse notícias sobre fraudes que saem na mídia. Estas notícias poderiam servir como subsídio à investigação, sendo ponto de partida para investigações mais aprofundadas, especialmente em casos que ainda não chegaram oficialmente aos órgãos de controle”, explica a professora Carina.
A partir dos aprendizados e trocas de conhecimento entre as instituições, os membros do Projeto Céos deram início às suas atividades, definindo sua missão e área de atuação. Hoje, a iniciativa tem como propósito utilizar a IA e a tecnologia para o benefício da sociedade, apoiando especificamente a tomada de decisão nos processos inerentes às atividades do MPSC, com auxílio de ferramentas automatizadas ou semiautomatizadas.
Como explica Ana, o CONO cumpre com esse mesmo objetivo. “A gente entende que a tecnologia tem que ser utilizada para beneficiar a todos. Hoje em dia, principalmente, vemos que infelizmente é tudo muito exclusivo. Não chega a todo mundo, e, se chega, não é de uma forma positiva. É o correto propiciar às outras pessoas da sociedade, que talvez não tenham a possibilidade de se aprofundar nisso, a chance de entender como a IA pode funcionar para o bem público, para o bem de todos.”
A estudante ainda ressalta que, para o Céos, o primeiro passo da popularização da IA para uso social ocorre por meio do serviço público. “A nossa ideia realmente é popularizar. Começando pelos órgãos públicos, nos quais muitas vezes as pessoas, apesar de serem servidoras públicas, também não possuem muita noção de tecnologia. Então, começamos por eles para, quem sabe, partir para a sociedade no geral”, explica.
Uso da IA na ciência
Diferentemente de IAs generativas abertas ao uso público, os programas produzidos pelo Céos seguem um alto rigor científico que não dá espaço à desinformação ou à imprecisão, afirma Carina.
“A desinformação não é um problema quando seguimos uma metodologia científica rigorosa. Isso porque os resultados são testados exaustivamente. Por exemplo, se um modelo de IA atinge 90% de acurácia, analisamos detalhadamente os 10% restantes para entender o que levou aos erros — que tipo de respostas equivocadas a IA produziu e por quê”, detalha a professora.
Ela ainda ressalta que, dada a importância social dos projetos criados pelo laboratório e o interesse público que os integra, os resultados das análises sempre serão claras ao MPSC. “Ao ter acesso aos resultados, o promotor será informado pela ferramenta de IA de que a acurácia, por exemplo, é de 90%. A partir daí, cabe a ele analisar o material disponibilizado pelo Projeto Céos para identificar onde podem estar os problemas ou inconsistências”, acrescenta.
Reconhecimento regional
O processo de coleta de dados pelo CONO, porém, ainda não foi totalmente automatizado, havendo a necessidade de iniciar o programa manualmente. Segundo Ana, o intuito é que o programa faça duas varreduras por dia de maneira automática.
Apesar de ainda estar em desenvolvimento, a IA, que é projetada pela estudante desde o início de 2024, quando estava na segunda fase da graduação, já conquistou visibilidade regional. O trabalho, orientado pela professora Carina Friedrich Dorneles, foi premiado com “Menção Honrosa” durante a XX Escola Regional de Banco de Dados (ERBD 2025), realizada na UFSC entre os dias 23 e 25 de abril.

Ana Clara e a professora Carina Friedrich Dorneles com o certificado de menção honrosa da XX Escola Regional de Banco de Dados. Foto: acervo pessoal/reprodução.
“Foi o primeiro artigo que escrevi, então, para mim, foi muito gratificante, porque é um ano e meio já que eu estou trabalhando nessa ferramenta. Poder fazer um artigo para um evento assim e receber essa premiação dá um senso de motivo mesmo, de motivação”, relata Ana.
Agora, o foco da estudante é finalizar o CONO, para utilização do MPSC nas investigações, e aprimorar o artigo, para submissão no 40° Simpósio Brasileiro de Banco de Dados (SBBD), que ocorre entre 29 de setembro e 2 de outubro, em Fortaleza, no Ceará.
“Seria muito interessante, quem sabe, receber uma Menção Honrosa lá também. É um âmbito muito maior, um evento que já engloba o país inteiro. A ideia é essa, sempre crescer”, diz a jovem de 22 anos.