Caso VR Brasil: como os investidores eram atraídos pelo ‘encanto da serpente’

“Perdi cerca de R$ 140 mil nesse negócio”, lamenta Bento*, um dos mais de 2 mil investidores atraídos pelo retorno fácil prometido pela VR Brasil Patrimonial. A empresa de investimentos imobiliários, sediada em São José (SC), está sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, suspeita de aplicar um golpe financeiro que soma quase R$ 1 bilhão.

Márcio Ramos, dono da VR Brasil Patrimonial, encabeçava uma grande estrutura de captação de novos investidores para seus negócios - Foto: Reprodução/YouTube

Márcio Ramos, CEO e fundador da VR Brasil Patrimonial – Foto: Reprodução/YouTube

Como investidores eram apresentados à empresa

Bento tem 34 anos e trabalha na área contábil. O investidor, que pediu para não ser identificado, relata que conheceu os negócios da VR Brasil Patrimonial em 2021, através de uma agente, amiga pessoal de Márcio Ramos, o fundador da empresa. “Ela era gerente de uma importante multinacional, por isso achei que fosse uma pessoa de confiança nos negócios”, conta.

Segundo o investidor, a agente o levou até um escritório da VR Brasil Patrimonial e apresentou o plano da empresa.

“Na nossa primeira conversa sobre a empresa, ela me mostrou uma tabela de investimentos. Se eu investisse determinado valor, teria determinado percentual de retorno. Quanto maior fosse o investimento, maior era o percentual. A tabela era progressiva”, lembra.

As alíquotas apresentadas ofereciam rendimentos de até 5% ao mês, acima do padrão do mercado. No entanto, após consultar amigos do ramo imobiliário, Bento constatou que, apesar de elevados, os valores eram factíveis. “O mínimo era R$ 5 mil, mas coloquei R$ 10 mil para entender como funcionava. E os rendimentos foram pagos”. Por isso, a cada mês, ele investia mais.

Em março de 2024, Bento já somava R$ 140 mil investidos, quando a empresa parou de pagar os rendimentos e o dinheiro desapareceu. O investidor afirma que, em nenhum momento, ele foi informado sobre o falecimento do SEO da empresa. “Essa falta de comunicação me chateou demais. Fui saber da morte do Márcio e dos problemas da empresa na mídia e nas redes sociais”, lamenta.

Bento, que fez investimentos periódicos na empresa durante três anos, também procurou sua agente para obter mais informações sobre o caso, mas ela apenas respondeu que “as coisas vão ser resolvidas”.

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Divulgação da empresa era no boca a boca

Bento relata que a divulgação ocorria principalmente de boca a boca, principalmente por meio de agentes vinculados à empresa, que trabalhavam com o objetivo de captar pessoas para apresentar o plano da VR Brasil Patrimonial.

Por vezes, alguns cotistas, ao perceberem que os ganhos eram pagos no teto, indicavam novas pessoas ao negócio, apresentando-as aos agentes, que faziam o contrato. Dessa forma, a base de investidores era expandida.

O investidor conta que a comunicação interna da VR Brasil Patrimonial era praticamente inexistente. “Nunca conheci diretamente o Márcio, a esposa ou os gerentes. Meu contato com a empresa era pela minha agente, uma relação mais de confiança mesmo”.

Na conta do Instagram da empresa, é possível encontrar postagens institucionais, como celebrações de datas comemorativas e fotos dos empreendimentos adquiridos. Em uma das publicações, é feita uma pergunta: “como você conheceu a VR Brasil?”. Nos mais de cem comentários, todos relatam ter conhecido a empresa por meio de amigos ou pessoas conhecidas.

Como ocorriam os investimentos

Os agentes, espalhados por diversas cidades de Santa Catarina, captavam novos investidores para a VR Brasil. Essas pessoas compravam cotas de investimento imobiliário, com a promessa de que a empresa utilizaria os recursos para financiar a construção de empreendimentos no Estado.

A empresa garantia que, com a venda desses empreendimentos, ela lucraria e pagaria os rendimentos aos cotistas. Os retornos prometidos variavam conforme o valor da cota adquirida, podendo chegar a 5% ao mês. Por um tempo, o negócio funcionou bem, mas os pagamentos cessaram em abril deste ano, e o destino do dinheiro que deveria retornar aos investidores é desconhecido.

A empresa agora é investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal pela suspeita de operar um esquema de pirâmide financeira. A suspeita é que a maior parte dos valores não foi de fato investida em imóveis, mas sim repassada como rendimentos a outros cotistas, caracterizando um clássico esquema de pirâmide.

Alguns agentes apresentavam o plano de negócios da empresa no escritório da VR Brasil  – Foto: Reprodução/VR Brasil

O que é uma pirâmide financeira

O modo como os negócios da VR Brasil foram conduzidos, marcado pela divulgação boca a boca, promessas de retornos elevados e indícios de que pouco do montante foi realmente aplicado em um produto real — todas características típicas de uma pirâmide financeira — levanta suspeitas das autoridades.

A essência de uma pirâmide financeira é atrair cada vez mais pessoas para um negócio. O dinheiro de novos investidores garante, por um tempo, o pagamentos aos mais antigos. Porém, em algum momento, se torna insustentável manter os pagamentos e a pirâmide entra em colapso.

Investidores da VR Brasil Patrimonial podem ter sido vítimas de esquema clássico de pirâmide financeira – Foto: Gil Jesus/ND

Níkolas Salvador Bottós, advogado da ACLVR (Associação dos Cotistas Lesados da VR Brasil), acredita que essa relação de confiança entre agentes e investidores era a base de expansão dos negócios da VR Brasil Patrimonial.

“Não se trata meramente de pessoas gananciosas que queriam ganhar mais dinheiro. Foi um golpe que poderia ter alcançado qualquer pessoa. O que selecionou essas vítimas foi a proximidade, eram pessoas que participavam que iam chamando outras”, entende o advogado.

Ainda, ele também compreende que a empresa atuava em um esquema de pirâmide clássico, sempre operando em déficit e precisando de cada vez mais pessoas investindo dinheiro para pagar o rendimento dos antigos.

“Quando falamos em pirâmide, a primeira imagem que vem são os casos de marketing multinível, de um chamar dois, que chamam quatro e por aí vai. Mas esses são casos complexos. A VR Brasil é um caso mais clássico, em que uma pessoa põe dinheiro, mas, para obter um retorno, precisa que outras também coloquem, e assim um paga o outro. Só que no fim a conta não fecha, porque a operação é sempre deficitária. Um hora colapsa”, argumenta Níkolas.

No entanto, o advogado admite que somente a Justiça será capaz de determinar se realmente acontecia um esquema criminoso. “Apresentamos uma denúncia ao Ministério Público com vários indícios de ações criminosas da VR Brasil. Solicitamos uma análise criminal. Quem vai determinar se é possível enquadrar os responsáveis da empresa em um esquema de pirâmide financeira é a Justiça”, pontua o advogado.

Defesa admite operação deficitária, mas advogado nega pirâmide

Ângelo Coelho, advogado da VR Brasil Patrimonial, admite que a VR Brasil Patrimonial operava em déficit financeiro.

“A empresa não vinha conseguindo honrar as obrigações com os cotistas e demonstrava um grande desequilíbrio econômico e financeiro. A crise é resultado da gestão anterior [de Márcio Ramos], a qual optou por pagar a seus clientes valores superiores à real capacidade financeira da empresa”, analisa.

Márcio Ramos, falecido fundador e sócio majoritário da empresa, não possuía registro na CVM – Foto: Reprodução/YouTube

Carlos Tapias atuou como advogado da VR Brasil Patrimonial até março deste ano, o mesmo mês em que a empresa deixou de pagar os cotistas. Tapias, que também era sócio da empresa, contou que deixou o negócio ao perceber sua insustentabilidade. Ele afirmou que uma auditoria realizada nas contas da empresa no final de 2023 já revelava a inviabilidade do negócio. No entanto, ele afirmou que não levou nenhum centavo de sua parte da sociedade, pois não queria “qualquer envolvimento” com a VR Brasil.

Não obstante, Tapias nega que os negócios configuravam uma pirâmide financeira. “Em uma pirâmide, os próprios investidores captam outros e ganham uma porcentagem em cima disso. A VR Brasil Patrimonial tinha agentes credenciados que faziam essa captação e, mesmo que os investidores indicassem outros, eles não ganhavam nada por isso”, explica Carlos.

Márcio Ramos, o falecido fundador e sócio majoritário da empresa, era corretor de imóveis registrado no CRECI/SC (Conselho de Corretores de Imóveis de Santa Catarina). No entanto, não possuía registro na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e, dessa forma, não tinha autorização para vender cotas de investimento.

Contudo, Ângelo Coelho, atual advogado da VR Brasil, defende que Márcio Ramos “apenas realizava a gestão administrativa dos investimentos, sendo que as vendas eram realizadas por corretores devidamente cadastrados”.

*Nome fictício a pedido do investidor.

**Esta é a segunda reportagem da série Caso VR Brasil. A primeira, “Quem é Márcio Ramos, suspeito de aplicar o maior golpe da Grande Florianópolis“, foi publicada na quarta-feira (7).

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