Confusão em Embu das Artes: É necessário apresentar declaração de endereço com firma reconhecida para se vacinar?

Na última semana, uma discussão tomou conta das redes sociais: a obrigatoriedade de comprovante de endereço em nome do vacinado para acesso à imunização contra a Covid-19. O assunto ganhou maior repercussão no Twitter depois que a influenciadora Alessandra Veiga relatou episódio vivenciado em Embu das Artes, cidade do interior de São Paulo. No desabafo, ela contou que, ao chegar com o esposo na Unidade Básica de Saúde (UBS), foi impedida de ser vacinada porque o documento apresentado não esteja em seu nome. Para ter direito à imunização, a influenciadora precisou de uma declaração de residência, com firma reconhecida em cartório. Ela conta que após compartilhar o desabafo recebeu mais de 300 mensagens de pessoas que passaram pela mesma situação. “Os motivos são muitos: falta de informação, de tempo para fazer esse rolê, falta de orientação sobre como reagendar. Tem casos de 70/60 anos que ainda não tomaram a vacina. Desistiram. Os maiores casos relatados são de mulheres: donas de casa ou que trabalham fora, mas sem nenhum comprovante em seu nome.”

Um caso semelhante aconteceu com outra moradora da cidade, a autônoma Priscilla Novelli, que também foi impedida de se vacinar pelo comprovante apresentado estar em nome do marido. “Eu moro no Embu, eu nasci no Embu, meus filhos nasceram aqui. Olha no meu RG: comarca de Embu das Artes. […] Teve que as minhas filhas mandarem por Whatsapp [certidão de casamento e RG dos filhos] para ter a prova que éramos casados. Depois de muita burocracia eu consegui”, relata Priscilla que procurou a ouvidoria da Prefeitura para reclamar do ocorrido. “Não tive resposta até hoje, não tive resposta. Por que fui barrada na hora da vacina, por que pessoas despreparadas gritaram comigo ‘você não vai tomar vacina’ e todo mundo olhando, parecendo que eu era a errada, era a criminosa. Só fui tomar a vacina. Parecia que eles estavam fazendo um favor para mim, mas não. É meu direito tomar a vacina”, ressalta a autônoma, que, transferiu a titularidade da conta de luz da residência para o seu nome após o ocorrido. “Quando chegar a vacinação de 12 a 17 anos como é que vai ser?”, questionou.

A exigência dos documentos, no entanto, não se limita a cidade de Embu das Artes. Nas redes sociais, moradores de outros municípios brasileiros, como Curitiba, Itapecerica da Serra, Florianópolis e até da capital paulista também reclamam da obrigatoriedade, que se tornou um obstáculo para a imunização. A fisioterapeuta Bianca Zanatta, moradora da capital de Santa Catarina, afirma que a cidade pede que o comprovante de endereço seja em nome do vacinado ou de parentes em primeiro grau. “Se não for isso, você tem que pegar uma declaração do titular e fazer o reconhecimento de firma em cartório”, explica a catarinense, que é contra a exigência. “Você ter que comprovar que mora na cidade para vacinar mais atrapalha do que ajuda, porque o objetivo é vacinar todo mundo o quanto antes. As vacinas são do SUS, que tem cobertura nacional. Qualquer cidadão brasileiro tem direito ao serviço onde morar, então essa burocracia só atrapalha, não ajuda em nada. Se a gente quer vacinar o quanto antes a maior parte da população possível, eles tinham que arrumar outra forma de organização.”

O que diz a lei?

Em meio as diferentes exigências, regras e normas, persiste a dúvida: as cidades podem cobrar que o comprovante de endereço seja de titularidade do vacinado? A obrigatoriedade de declaração reconhecida em cartório é legal? A advogada em direito médico, Mérces Nunes, explica que os municípios podem exigir que os cidadãos apresentam um documento de titularidade própria antes de tomar a vacina contra a Covid-19. De acordo com ela, considerando o número limitado de doses enviadas aos Estados e distribuídas às cidades, a medida faz parte de uma ação para controlar a aplicação, especialmente em um momento que os locais seguem diferentes calendários de imunização. “As autoridades municipais da Saúde têm competência para exigir o comprovante, porque elas recebem doses compatíveis com o número de munícipes. Então, se vem gente de fora, não vai ter vacina para todo mundo. Não há uma regra específica, mas algumas cidades estão colocando e têm o respaldo da legislação. Não dá para dizer que é ilegal o que o município está fazendo”, esclarece.

No entanto, ela explica que a exigência de um documento com firma reconhecida em cartório extrapola a autonomia das autoridades e esbarra em uma garantia fundamental de todos os brasileiros: o direito à saúde. “Se ele só exigisse a declaração, sem custo, o município estaria dentro do direto. A palavra da gente tem que ter valor suficiente. Se estou dizendo que moro naquele endereço, naquela casa, o município tem que aceitar. Quando ele passa a exigir o reconhecimento de firma, isso impõe um ônus que não tem respaldo legal”, afirma, mencionando que é aceito qualquer custo adicional aos cidadãos. “Quando a gente fala de direto à saúde, o Estado tem o dever de custear isso, ninguém tem que ter despesa. Com firma reconhecida é um excesso, o município não pode fazer”, declara a advogada. Ela alerta, no entanto, que os gastos com uma disputa judicial para derrubar a exigência sairia “mais cara” do que, de fato, fazer o reconhecimento em cartório. “Se alguém for impedido por causa disso [documento] pode entrar na Justiça e o juiz vai dar uma ordem eliminando a exigência, mas quanto custaria isso? De qualquer forma é um abuso, o município não pode exigir o reconhecimento de firma”, finalizou.

A Jovem Pan questionou a secretaria de Saúde de Embu das Artes sobre o assunto, assim como a Prefeitura de Florianópolis e de Itapecerica da Serra, mas não teve retorno. À reportagem, a Prefeitura de Curitiba informou que a declaração de residência com firma reconhecida em cartório é uma opção, mas “há outras alternativas”, como a apresentação de boletos, contratos e de documento com titularidade do cônjuge, desde que seja apresentada certidão de casamento ou união estável. Por sua vez, a assessoria da Prefeitura de São Paulo também confirmou que são aceitos comprovantes “em nome do cônjuge, companheiro, pais e filhos, desde que apresentado documento que comprove o parentesco ou estado civil”. Para outros casos, “são aceitas declarações do responsável pela residência, com firma reconhecida em cartório”. Segundo o governo do Estado, cabe aos municípios a execução da campanha, “organização e distribuição de quantitativos na rede de saúde, aplicação das doses na população, bem como a busca ativa dos vacinados”.

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