Paralimpíadas: UFSC tem Centro de Referência com aulas para adultos e crianças

Dois homens adultos correm na pista de atletismo da UFSC

Marcio Olimpio dos Santos, correndo à frente, tem 33 anos e pratica corrida há cerca de dez anos. Participa de competições estaduais, nacionais e internacionais de 100, 200 e 400 metros. É o terceiro do ranking brasileiro na classe T36. Medalhista em diversas competições, recebe a bolsa-atleta e frequenta a pista de atletismo da UFSC duas vezes por semana. Seu sonho é chegar às Paralimpíadas. Atualmente, está treinando para o Campeonato Brasileiro de Atletismo, que ocorre em dezembro. Foto: Mateus Mendonça/Agecom/UFSC

Mariele estava há muito tempo parada e tem vontade de voltar a competir. Com apenas uma semana de aulas, Jean já percebe melhoras na qualidade do sono e na ansiedade. Rodrigo nada desde pequeno, mas está voltando agora, depois de anos sem treinar. Alícia já participou dos Jogos Escolares Paradesportivos de Santa Catarina (Parajesc) e de corrida de rua e, segundo sua mãe, “se encontrou no atletismo”. Lucas, Nelson e Marcio são atletas de alto rendimento, competem há anos e sonham em representar o Brasil nas Paralimpíadas. Vinícius chegou a participar de mais de 40 corridas de rua em um único ano, mas deu uma pausa nas competições para focar em sua formatura, no curso de Enfermagem da Unisul. Sara veio do Mato Grosso do Sul e, nos últimos meses, desde que começou a praticar esportes, melhorou sua autoestima, passou a dormir melhor e voltou a limpar a casa e fazer outras tarefas cotidianas. 

Mais de 70 pessoas, com variadas idades, histórias, motivações e tipos de deficiência, frequentam os espaços do Centro de Desportos (CDS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para praticar atletismo, natação e goalball. As atividades são ofertadas por meio do Centro de Referência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), implementado na UFSC há pouco mais de três meses.

As aulas são gratuitas e contemplam todos os níveis de treinamento – desde a iniciação esportiva até a preparação de atletas de alto rendimento, que competem em eventos estaduais, nacionais e internacionais. O projeto é aberto a pessoas com deficiência física, visual e intelectual – as mesmas categorias de deficiência elegíveis para os Jogos Paralímpicos.

O treinamento e a formação de atletas são apenas parte dos objetivos do Centro de Referência. Para o supervisor do Centro, Roger Lima Scherer, é provável que a iniciativa potencialize o surgimento de atletas paralímpicos, mas a ideia é que crianças e adultos também tenham um espaço para conhecer diferentes modalidades esportivas e incorporar a prática de atividades físicas em seu dia a dia. 

“A orientação, principalmente com as crianças, é de não fechar em uma modalidade específica. Se chega uma criança cega, por exemplo, não é para oferecer o goalball e somente o goalball. Mas então, se a gente trabalha com atletismo, com natação, a ideia é fazer essa criança rodar nas diferentes modalidades, para ela ter as diferentes vivências motoras e ver o que realmente ela gosta e se adapta mais”, explica Roger.

Alícia e Sara caminham na pista de atletismo da UFSC

Alícia (à esquerda) tem autismo e síndrome de cri-du-chat. Ela tem 19 anos e pratica corrida e atletismo há três anos. Já participou do Parajesc e de corrida de rua. Sua mãe, Nani, considera que o esporte foi uma grande conquista na vida da jovem. “Não tenho palavras para descrever. Alicia teve luxação gravíssima no quadril, caminhava com deficiência bem acelerada, e depois do esporte, melhorou tudo.” Além da mobilidade do quadril, pernas e braços, Nani também percebe que a filha se sente mais disposta. “Ela está aqui junto com os dela. Aqui ela se encontrou.” Já Sara (à direita), de 24 anos, tem deficiência intelectual e auditiva. Além do atletismo, faz natação na UFSC e ainda pratica surfe e aulas de educação física na FCEE. No início do ano, veio de Campo Grande (MS) com a mãe, Sandra, que buscava uma melhor qualidade de vida para a filha. Desde que começou a praticar atividades físicas, além de melhoras na mobilidade, Sandra nota que a filha se sente mais capaz, que sua autoestima aumentou. Sara voltou a fazer as tarefas domésticas, como limpar a casa e lavar a louça, e tem mais vontade de se arrumar: “ela não gostava de se olhar no espelho. Hoje, ela gosta de se pintar, de usar brinco, passar batom, pintar a unha”. Também não precisa mais de remédio para dormir. Foto: Maria Isabel Miranda/Agecom/UFSC

Mesmo entre adultos, não é necessário ter experiências prévias com as modalidades para poder participar. “Hoje, a pessoa com deficiência, ou é uma atleta ou é sedentária. São poucas as pessoas com deficiência que conseguem incorporar a atividade física de forma regular no seu dia a dia”, conta o supervisor. Ele lembra que são raros os locais que oferecem atividades físicas adaptadas às necessidades de pessoas com deficiência – e, mesmo assim, nem sempre esses lugares têm estrutura adequada, e muitas vezes os professores são voluntários ou recebem um valor ínfimo.

“Se a gente quer correr na Beira-Mar, a gente sai e vai dar uma corridinha, uma caminhadinha. A pessoa com deficiência precisa de alguém junto ali, precisa ter uma estrutura adequada e uma acessibilidade naquele local. Então esses espaços [dos Centros de Referência Paralímpico] não são feitos só pensando no esporte de forma competitiva, mas servem para a pessoa com deficiência agregar um repertório motor no dia a dia, fazer com que ela sinta vontade de querer fazer atividade física, mesmo que não venha a ser um atleta, pensando também na possibilidade de não ter doenças crônicas no futuro, de minimizar sua possibilidade de ter obesidade ou sobrepeso”, complementa o supervisor. 

aluno em cadeira de rodas sorri enquanto cumprimenta o professor Julio Pistarini
cadeira de rodas vazia na beira da piscina, enquanto uma pessoa nada
homem de costas sentado na beira da piscina. Atrás dele, está sua cadeira de rodas
homem dentro da piscina se prepara para começar a nadar
homem nadando na piscina olímpica da UFSC
foto da piscina olímpica da UFSC, com sete alunos na água. Um aluno nada, enquanto os outros olham para o professor

Aulas de natação ocorrem na piscina olímpica e na piscina adaptada. Fotos: Maria Isabel Miranda/Agecom/UFSC

Comitê Paralímpico e Universidade

Os Centros de Referência fazem parte do Plano Estratégico do Comitê Paralímpico Brasileiro, elaborado em 2017 e revisitado em 2021. O objetivo é aproveitar espaços esportivos em estados de todas as regiões do país para oferecer modalidades paralímpicas. Atualmente, o CPB conta com 72 Centros de Referência, espalhados por 26 unidades federativas do Brasil (a única exceção é o estado do Piauí).

Mariele Zenaide dos Santos em uma cadeira de rodas, usando um roupão branco

Mariele Zenaide dos Santos começou a praticar natação na adolescência, mas estava parada desde a pandemia. Voltou a nadar no início do ano para se exercitar, mas também gostaria de voltar a competir. “Quem sabe ano que vem começo para valer.” Veio para a UFSC porque já tinha treinado com o professor Julio Pistarini e agora faz aulas quatro vezes por semana. Foto: Maria Isabel Miranda/Agecom/UFSC

Um a cada cinco atletas da delegação brasileira que representa o país nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024 treina nos Centros de Referência. Esses espaços esportivos oferecem estrutura física e profissional para os treinos de 57 (ou 22,5%) dos 255 atletas com deficiência brasileiros que estão competindo na França.

Há anos a UFSC oferta uma série de atividades físicas e esportivas voltadas a pessoas com deficiência. Mas a cooperação com o CPB institucionaliza o projeto e possibilitou a compra de materiais e a contratação do supervisor e de três professores com ampla experiência em esportes paralímpicos. “O goalball está muito bem estabelecido aqui na UFSC. Mas os treinos de atletismo e de natação eram coisas mais pontuais, alguns atletas que vinham com treinadores específicos. A gente tem uma piscina olímpica, tem uma pista oficial. O Centro de Referência facilitou esse processo de captação de alunos”, comenta Roger, que começou a trabalhar com goalball e com pessoas com deficiência no início da graduação em Educação Física da UFSC.

Rodrigo está dentro da piscina, apoiado na borda, conversando com Jean, que está sentado na beira da piscina

Rodrigo Müller (à esquerda) fez natação na UFSC quando era criança e voltou há cerca de três semanas, depois de quatro anos parado. Jean Carlos Barbosa (à direita) é estudante de Educação Física na UFSC e começou as aulas de natação há menos de duas semanas. Mesmo em tão pouco tempo, os dois já percebem benefícios do exercício. “Senti melhora na minha outra perna, que não encostava muito no chão. Está ganhando até um pouquinho de massa”, conta Rodrigo. Já Jean nota melhorias na respiração e na qualidade do sono. Sua ansiedade também diminuiu. “Eu estou com um pouco mais de foco, porque, a partir do momento em que a gente pratica esporte, se concentra um pouquinho mais. Uma melhora aí de 80% em uma semana.” Foto: Maria Isabel Miranda/Agecom/UFSC

O professor de atletismo, Diego Antunes, também destaca a importância da parceria para a atração de novos alunos e para a continuidade dos treinamentos. “Trabalhei por anos com associações, e o terceiro setor sofre muito, porque ele depende muito do público, tem pouco do privado. Por vários anos, tive problemas de atraso de salário e outras questões, como falta de recurso para ir para competições. Agora, como o vínculo é com o Comitê Paralímpico, eu tenho um pouco mais de estabilidade, sou CLT. E o que sempre ajudou, na verdade, foi esse vínculo que eu tive com a UFSC, mesmo antes de o Centro do CPB existir, de fazer pesquisa, dos professores também apoiarem com bolsistas, com estagiários.” 

Três jovens adultos correndo na pista de atletismo da UFSC

Vinícius Alan Galafassi (ao centro) começou a correr em 2013, em corridas de rua, acompanhado pelo seu pai. Em 2014, chegou a participar de 40 provas. Vinícius compete em 100, 200 e 400 metros, na classe T35, em jogos universitários e eventos regionais. Treina na UFSC desde 2016, mas agora deu uma pausa nas competições para focar no curso de Enfermagem. Vinícius está se formando na Unisul e pretende se especializar em urgência e emergência e experimentação cirúrgica. Foto: Mateus Mendonça/Agecom/UFSC

Julio Pistarini, o professor de Natação do Centro de Referência, também chama a atenção para a importância da relação entre CPB e universidade para a consolidação dos trabalhos. “É um sonho, né. Primeiro, porque a gente vem de vários projetos que talvez não tenham dado certo. Ou que, por algum motivo, a gente não conseguiu alicerçar corretamente. Aqui, a gente tem o amparo de uma estrutura fenomenal, de uma piscina olímpica e uma piscina de adaptação, onde a gente consegue executar o nosso trabalho perfeitamente.”

Professor Diego, de costas, demonstra o uso do dardo para arremesso, a um aluno e uma aluna que seguram alguns dardos
pernas de três alunos de atletismo, que passam por cima de obstáculos à altura do joelho
professor Diego Antunes caminha à frente de duas alunas e um aluno, adolescentes e jovens adultos
três homens fazem exercício de prancha na pista de atletismo da UFSC
professor de atletismo Diego Antunes observa três homens correndo na pista de atletismo da UFSC
corredor Vinícius Alan Galafassi sentado de costas na pista de Atletismo da UFSC

Aulas de atletismo contemplam corrida, salto, lançamento e arremesso. Fotos: Mateus Mendonça/Agecom/UFSC

“A gente ainda não entendeu a magnitude desse projeto”

As atividades do Centro de Referência da UFSC começaram em maio, com 17 alunos. “Em junho, nós tínhamos 48. Em julho, 65. E em agosto, até agora, temos 72”, afirma Roger. Boa parte dos alunos foram encaminhados a partir de contatos com associações que atendem pessoas com deficiência, como a Apae, a Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef), a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) e a Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic). Também são ofertadas atividades em duas escolas municipais – Brigadeiro Eduardo Gomes e Dilma Lúcia dos Santos –, em colaboração com o projeto Rede em Movimento, da prefeitura de Florianópolis. 

“Essas parcerias, a gente fez para possibilitar, principalmente, a participação de crianças e adolescentes, que muitas vezes acabam ficando marginalizados na educação física e não têm oportunidade de fazer um um trabalho mais específico em uma modalidade”, esclarece Roger. 

Lucas e Nelson conversam de pé, ao lado da piscina, com roupas de banho e chinelo. Lucas usa uma prótese de perna

Lucas Possato de Liz (à esquerda) e Nelson Júnior (à direita) competem em nível estadual e nacional, nas classes S9 e S14, respectivamente. Com treinos diários, os dois estão se preparando para o Campeonato Brasileiro. Neste ano, Lucas também participa do Brasileiro Sub-20, e Nelson, do Open Internacional de Atletismo da Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Intelectuais (CBDI). Ambos destacam a qualidade da estrutura disponível na UFSC. “É uma piscina gostosa aqui, uma piscina bem competitiva”, comenta Nelson. Lucas também enfatiza a motivação dos colegas: “É bom ver que já tem bastante gente, e bastante gente empolgada. Já treinei outra vez, em outro lugar aqui em Floripa, só que o pessoal ia só para nadar. Não tinha essa empolgação toda para competir e querer virar atleta”. Foto: Maria Isabel Miranda/Agecom/UFSC

Julio também avalia que o atendimento de crianças e adolescentes é a principal motivação do projeto. “Hoje o treinamento [de atletas] existe, ele faz parte do projeto, mas eu acho que o meu foco principal está em atender as crianças, em dar oportunidade de formação na base.”

“A gente ainda não entendeu a magnitude desse projeto. Ele pode tomar proporções muito grandes, a ponto de contratarmos mais professores, de estruturarmos de uma forma diferente, e só vai agregar. O projeto está engatinhando, mas eu acredito que ele vai tomar uma proporção que a gente ainda não entendeu. Ele tende a criar asas”, enfatiza o professor.

Além das possibilidades de novas pesquisas e estágios ligados ao curso de Educação Física da UFSC, Roger também pretende buscar parcerias com outras áreas, como Nutrição e Fisioterapia, para ampliar o atendimento do Centro. Além disso, já existe a perspectiva de aumentar o número de modalidades oferecidas. A UFSC e o CPB estão em tratativa para trazer o tiro com arco – o que pode ocorrer até o fim do ano. Com o sucesso do projeto, também há possibilidade de incluir o badminton e bocha paralímpica. “São duas modalidades que a gente quer ver se consegue ofertar a partir de 2025”, salienta o supervisor.

homem praticante de goalball se joga no chão para defender uma bola
três pessoas praticam goalball. À frente, uma mulher segura a bola junto ao chão
professor Leonardo Goulart, com uma bola embaixo do braço, conversa com alunos de goalball

Goalball é a única modalidade paralímpica criada originalmente para pessoas com deficiência visual. Fotos: Robson Ribeiro/Acervo Agecom/UFSC

Como participar

Todas as atividades são gratuitas. Pessoas com deficiência física, intelectual e/ou visual interessadas em participar das aulas e/ou seus familiares podem entrar em contato diretamente com os professores ou com o supervisor do projeto pelo Whatsapp:

  • Atletismo: professor Diego Antunes – 48 99168-7107
  • Natação: professor Julio Pistarini – 48 99188-8152
  • Goalball: professor Leonardo Goulart – 48 99934-1317 
  • Supervisor: Roger Scherer – 48 99608-1399 | [email protected]

Além disso, o projeto busca voluntários para servirem de guia para o treino de pessoas cegas na corrida. Não é necessário ter experiência prévia – o participante receberá treinamento gratuito. Interessados podem entrar em contato com o professor Diego pelo número acima.

As atividades do Centro de Referência podem ser acompanhadas pelo Instagram @centroparalimpicoflorianopolis.

Outras atividades físicas e esportivas

Além das atividades do Centro de Referência, o Centro de Desportos da UFSC também oferece outras aulas específicas para pessoas com deficiência, como handebol em cadeira de rodas, parabadminton e tênis de campo para cadeirantes, além de iniciação esportiva para crianças com autismo. O edital com informações sobre horários e inscrições está disponível no site do CDS.

 

Camila Raposo | [email protected]
Agência de Comunicação | UFSC

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