Encantou Dom João VI: pioneirismo das águas termais de Santo Amaro da Imperatriz vira livro

Quem visita o município e usufrui dos benefícios das águas termais de Santo Amaro da Imperatriz, cidade situada a 33 quilômetros de Florianópolis, nem sempre tem conhecimento de que o local chamou a atenção de dom João 6º, o rei que fugiu de Napoleão Bonaparte e transferiu a corte portuguesa para o Brasil, em 1808, e de que a história do termalismo no país começou quando o mesmo soberano reconheceu oficialmente Caldas do Cubatão, o antigo nome do lugar, como a primeira estação termal em território nacional, em 1818.

Santo Amaro da Imperatriz é repleto de belezas naturais e tenta alavancar o turismo e a economia

Santo Amaro da Imperatriz é repleto de belezas naturais e tenta alavancar o turismo e a economia – Foto: Divulgação/ND

O e-book “Caldas da Imperatriz e o Termalismo Pioneiro no Brasil”, que esta semana passou a ser disponibilizado pela plataforma científica Zenodo, traz essas e muitas outras informações, ilustradas por fotos, mapas e links que remetem a fontes históricas, artigos, livros, teses e dissertações sobre o tema. Ali, é possível saber que os indígenas da região já conheciam os poderes curativos das águas termais e que dom Pedro 2º e a imperatriz Teresa Cristina se banharam no balneário em sua visita a Santa Catarina, em 1845, quando foi inaugurado o primeiro hospital termal do Brasil.

O texto foi escrito pelo jornalista Mario Xavier, 68 anos, que por dever de ofício foi objetivo em sua abordagem, meticuloso na pesquisa e generoso na oferta de referências para quem busca outros dados relacionados ao assunto e ao termalismo de modo geral. Uma linha do tempo extremamente didática leva o leitor a datas relevantes, entre elas a batalha que confrontou indígenas e os soldados do rei de Portugal, em 1814, com a destruição das casas de pau a pique e barro dos militares ali instalados pelo governo imperial.

Em 1818, após conflitos acirrados e mortes nos dois lados, teve início a construção do hospital termal. Ainda hoje, além da fachada original preservada, é possível encontrar no prédio do hotel que ocupou o lugar da casa de saúde, em 1920, seis banheiras em mármore de Carrara que a imperatriz encomendou da Itália e que chegaram ao local de 1847. A recepção, o corredor e os primeiros quartos mantêm a configuração da época, assim como o telhado e as paredes. Na construção de novas alas do hotel Caldas da Imperatriz houve o cuidado de preservar essas características históricas.

Política de saúde com olhar para o local

Desde 2022, Mario Xavier mora e trabalha em Santo Amaro da Imperatriz e diz que teve “muito prazer em publicar o e-book”, porque, entre outras razões, identifica na administração do município um empenho muito grande para democratizar os benefícios das águas termais. “Foi adotada uma política de saúde pública baseada no poder curativo das águas, que beneficia os moradores locais”, afirma o jornalista.

Ler o conteúdo do e-book é viajar no tempo e saber que havia peabirus (caminhos indígenas) em toda a região da Serra do Tabuleiro e arredores. Os estudos foram estimulados pela corte depois que, em 1812, amostras das águas foram levadas para o Rio de Janeiro para estudo dos cientistas da época.

Hoje, a região é um paraíso de Mata Atlântica preservado por lei, com um dado fundamental: 58,11% do território de Santo Amaro faz parte da reserva do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a maior unidade de conservação de Santa Catarina. Quase 24% da reserva está em área que pertence ao município.

Decreto inspirado em exemplo secular português

O interesse do rei dom João 6º pelo tema do termalismo se explica pelo fato de Caldas da Rainha, cidade do distrito de Leiria, em Portugal, ter explorado seus recursos termais deste o final do século 15, sempre com os estímulos da corte, que construiu ali um hospital no reinado de dom Afonso 6º.

Santo Amaro da Imperatriz e Caldas da Rainha foram transformadas em cidades irmãs pela lei nº 2594, de 2017. Dois anos antes, na comemoração dos 170 anos da visita da família real a Caldas, descendentes de dom Pedro 2º estiveram em Santo Amaro da Imperatriz para as festividades.

Desenho esquemático hipotético da origem geológica das águas termais de Caldas da Imperatriz a partir daságuas da chuva que caem na região do Pico do Tabuleiro – Foto: Fernando Brüggeman/Divulgação

Uma hipótese sempre aventada é a de que a princesa Isabel, nascida em julho de 1846, cerca de nove meses depois da estada de dom Pedro e Teresa Cristina em Caldas, pode ter sido concebida durante a visita imperial a Santa Catarina. O jornalista Mario Pereira trata essa questão com parcimônia. A crença popular é de que a imperatriz era estéril e engravidou em decorrência dos banhos nas águas termais de Caldas. Na verdade, ela já tinha um filho, Afonso, nascido em 23 de fevereiro de 1845.

Mario Xavier publicou o e-book com recursos do edital Paulo Gustavo, que cobriram os custos básicos do projeto, e contou com outros aportes igualmente modestos. Atendendo a uma exigência da lei federal, criou um acesso a portadores de deficiência visual. Ele ainda negocia a disponibilização do livro no site da Udesc para download.

Linha do tempo das águas termais de Santo Amaro da Imperatriz

  • Até o final do século 18 – Antes que o governo brasileiro tomasse conhecimento das águas quentes que emergiam do rio Águas Claras, nações indígenas já faziam uso de seus benefícios.
  • 1801 – Comandando uma tropa de 30 homens, o capitão João Marcos Pereira de Andrade realiza a primeira expedição para o reconhecimento da área das fontes termais e arredores.
  • 1803 – Joaquim Xavier Curado, governador da capitania de Santa Catarina, faz uma visita de inspeção a Caldas.
  • 1807 – Começa a construção de casas de pau a pique ou barro para os oficiais militares.
  • 1812 – Amostras das águas de Caldas do Cubatão são levadas para a Corte, no Rio de Janeiro, para análise dos cientistas.
  • 1814 – No dia 30 de outubro ocorre uma grande batalha entre indígenas e soldados do rei de Portugal. Os índios destroem as instalações e expulsam os militares.
  • 1818 – Nesse ano, após muitos conflitos e mortes nos dois lados, as autoridades retomam o controle da área e o governador João Vieira Tovar e Albuquerque dá início à construção do primeiro hospital nas Caldas do Cubatão.
  • 18/03/1818 – O rei dom João 6º oficializa a criação da primeira estância termal e do primeiro hospital termal do Brasil na fonte de Caldas.
  • 1835 a 1842 – Após uma tentativa frustrada, a presidência da província foi autorizada a incumbir a Câmara Municipal de São José a construir um estabelecimento de banhos terápicos, num edifício que está de pé até hoje.
  • 1844 – Após doação de vultosa soma em dinheiro pelo governo imperial, a imperatriz Teresa Cristina recebe o título de protetora do hospital e surge a denominação de Caldas da Imperatriz às fontes até então chamadas de Caldas do Cubatão.
  • 1845 – O casal imperial visita Santo Amaro da Imperatriz para inaugurar o hospital termal, o primeiro do Brasil no gênero (ainda não totalmente concluído), e aproveitar os benefícios das águas. Dom Pedro 2º contava, então, com apenas 20 anos, e a imperatriz Teresa Cistina, com 23.
  • 1847 – Chegam ao Hospital Termal as banheiras de mármore de Carrara que a imperatriz encomendou na Itália e que se encontram ainda hoje em uso no hotel Caldas.
  • 1855 – Conclusão definitiva das obras no Hospital Caldas da Imperatriz.
  • 1858 – É criado oficialmente o município de Santo Amaro da Imperatriz.
  • De 1860 a 1910 – Nesse período, o hospital é transferido para o governo imperial e passa por uma grande reforma.
  • 1920 – Em nova reforma da estrutura, o hospital é transformado em hotel e tem início o engarrafamento industrial da água mineral de Caldas da Imperatriz.
  • 1975 – É criado o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, maior unidade de conservação de Santa Catarina.
  • 1991 – Ocorre o tombamento de Caldas pela Prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz.
  • 1998 – A Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), campus da Grande Florianópolis, cria o curso de Naturologia Aplicada, que vai estimular os estudos e as pesquisas em torno do Termalismo.
  • 2015 – Santo Amaro recebe a visita de descendentes de dom Pedro 2º, na comemoração dos 170 anos da visita da Família Real a Santa Catarina.
  • 2017 – Lei nº 2594 declara irmãs as cidades de Santo Amaro da Imperatriz e Caldas da Rainha, estação com mais de cinco séculos de história em Portugal.
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