Tecnologia e a redução dos juros

O crédito consignado foi implementado em 2003 e foi uma grande sacada do governo que possibilitou o acesso ao crédito fácil e barato a milhões de brasileiros, muitos esses que sequer eram atendidos por instituições bancárias tradicionais. O crédito consignado público, que abrange aposentados e pensionistas do INSS e servidores públicos das 3 esferas, tem crescido ano após ano e já representa um estoque de cerca de R$610,00 bilhões de reais, conforme dados do Banco Central do Brasil referente ao mês de julho de 2023.

 

Inicialmente ele ficou concentrado nos grandes bancos, pois era necessário comparecer presencialmente a uma agência bancária para fazer a operação e só esses players possuíam diversidade de territórios para atender um mercado desse tamanho. Com um mercado gigantesco e tanta demanda, àquela época, os bancos tradicionais podiam selecionar e dar preferência para clientes com salários maiores e que possivelmente consumiriam outros produtos bancários ainda mais rentáveis futuramente. A grande massa, sobretudo do INSS, que ganha em sua maioria até 2 salários mínimos, se viu pouco representada por não ter um bom atendimento ou sequer ser bancarizada.

 

Para se ter uma noção, dos 5.588 municípios brasileiros, quase 2.500 não possuem uma agência. Foi nesse cenário que surgiu uma oportunidade incrível para os bancos menores, como o BMG, que souberam usar com muita eficiência os correspondentes bancários, que atuam como uma ponte entre os clientes e as instituições financeiras. Desta forma, eles poderiam ter acesso a todo o potencial mercado de consignados, principalmente de classes C e D, sem abrir uma única agência e sem ter que contratar milhares de funcionários. O canal de vendas se mostrou bastante promissor e outras instituições puderam ofertar a modalidade de crédito, facilitando o acesso ao crédito em quase todas as cidades do país.

 

Em 2013 o Banco Central (BACEN), por meio da resolução número 4.292, regulamentou a portabilidade do consignado, que foi o marco inicial para o aumento da concorrência e criou as condições necessárias para que de fato essa maior oferta de crédito se traduzisse em melhores taxas. Os clientes começaram a ter o poder de escolha e isso não impactou imediatamente nas reduções das taxas, mas ajudou a estabelecer e solidificar um canal alternativo aos bancos tradicionais do varejo.

 

Em dados oficiais, o volume transacionado de portabilidade foi de mais de R$15 bilhões apenas em 2022 – o que corrobora com o acerto do BACEN na adoção desse instituto. Na minha opinião, a portabilidade só fica atrás do PIX como a 2ª maior inovação do sistema financeiro do varejo brasileiro, mas ainda faltava a cereja do bolo que seria a digitalização. Imagine só a perda de tempo de ter que ir presencialmente simular em cada instituição financeira as condições de taxas naquele momento ou ir em vários correspondentes bancários para simular as diversas possibilidades.

 

Com o formato importo pela pandemia, tivemos uma aceleração da transformação digital de vários órgãos públicos e privados, como os bancos, que passaram a aceitar formalizações via biometria facial. O processo também cruza a identificação com os documentos pessoais, tornando toda a operação muito mais segura. O índice de fraudes reduziu drasticamente e o mais importante: possibilitou a escalabilidade da operação com um custo baixíssimo. Cenário ideal para que empresas de tecnologia se interessassem por esse setor.

 

Custo de transação baixo, somado a um mercado gigantesco e altamente escalável são premissas bem sólidas para que a tecnologia possa ser reinventada em um meio ainda muito acostumado ao formato tradicional.

 

Já vimos esse movimento em vários setores da economia moderna, como o Booking para reserva de hotéis, do Decolar para passagens aéreas, a XP Inc. para produtos financeiros e agora chegou a vez do mercado de crédito consignado.

 

Não resta dúvida que a forma mais eficiente de reduzir as taxas e spread bancário é o empoderamento do consumidor com acesso à informação, transparência e simplificação para uma tomada de decisão consciente. Em um cenário como esse onde a concorrência entre os bancos é majorada, organicamente as taxas caem, inclusive muito além dos tetos impostos por regulamentação. Ganha o cliente e ganha o país como um todo, já que um mercado desse tamanho com mais concorrência tem impacto significativo no PIB.

 

Por Rafael Seixas

Adicionar aos favoritos o Link permanente.