Enquanto sonha viver do Taekwondo, casal de refugiados dá aulas em projeto social no DF

Casados há sete anos e pais de duas pequenas brasileiras, Antonio, 27 anos, e Brenda, 23, se conheceram e se apaixonaram em seu país natal, a Venezuela, enquanto participavam de competições nacionais de Taekwondo.

Juntos, os atletas conquistaram faixas, pódios e medalhas, mas tiveram que deixar o país quando chegaram à seleção estadual. “Foram cerca de dez anos lutando para chegar à seleção e, quando chegamos, já não tinha mais oportunidade e nem apoio para a gente ficar”, lamenta Brenda.

Em 2019, esperando a primeira filha e sem perspectiva para o futuro, eles decidiram encontrar a família de Brenda, que já estava vivendo no Brasil. Três horas depois de cruzarem a fronteira, a pequena Luciana nasceu em Pacaraima. A filha mais nova, Siena, nasceu dois anos depois da irmã, já no Distrito Federal, onde o casal se estabeleceu com os familiares. Apesar da pouca idade, as duas acompanham os pais nos treinos e já ensaiam os primeiros golpes brincando no tatame.

O casal detém a faixa preta e tem alta graduação – Brenda é graduada no 3º Dan e Antonio, no 2º Dan. No entanto, pela nacionalidade, nenhum dos dois pode participar de competições relevantes no Brasil.

Ainda assim, eles têm esperança de um dia poder viver do esporte. “Todo o mundo sonha em viver fazendo o que gosta”, reflete Antonio.

Enquanto isso não ocorre, a família se sustenta por meio do trabalho em um empreendimento familiar de lanches.

Treinadores voluntários

Para manter o sonho vivo, o casal descobriu um meio de seguir treinando e de retribuir a acolhida em Brasília.

Desde que chegaram à capital, eles são instrutores voluntários no projeto social “Feras do Cerrado”, que oferece aulas gratuitas de Taekwondo para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade na zona rural de São Sebastião, no Distrito Federal.

O projeto foi fundado em 2016 e é administrado pela professora Jaqueline Silva, faixa preta e graduada no 4º Dan. A mestre acolheu Brenda e Antonio no projeto e lembra-se com carinho da chegada do casal e do suporte que eles ofereceram.

“Tínhamos 30 alunos e éramos dois instrutores. Tínhamos que nos desdobrar, e quando eles chegaram foi um marco, porque eles trouxeram uma bagagem de conhecimento que agregou valor à nossa equipe de professores, pela capacidade de dar aula, pelo conhecimento, pela cultura. É um valor imensurável tê-los na equipe”, afirma Jaqueline.

Jaqueline diz que casal tem uma capacidade técnica muito avançada. “A gente tem dificuldade aqui em Brasília de encontrar pessoas com esse nível técnico. O conhecimento que eles trouxeram está um pouco além do conhecimento que a gente tem aqui”.

No projeto, o casal também realiza tarefas administrativas e treina a equipe de competição. Foi por intervenção deles que crianças venezuelanas também começaram a frequentar o projeto. “A partir deles, trouxemos as crianças venezuelanas e buscamos a integração dessa garotada, que se sente deslocada, com dificuldade no idioma. E o esporte vem para abraçar essas crianças”, afirma Jaqueline.

Com Brenda e Antonio, o projeto foi ampliado, e as crianças brasileiras passaram a contar com aulas de espanhol. Por outro lado, as crianças venezuelanas puderam acessar aulas de português. Todas elas também tinham acesso a aulas de “cultura”, uma espécie de intercâmbio de conhecimentos para promover a integração local.

No entanto, por falta de recursos e de um espaço físico adequado, o projeto, que começou na varanda da casa de Jaqueline, na zona rural de São Sebastião, e estava atendendo 45 crianças – 15 delas venezuelanas – precisou ser interrompido no ano passado.

Por ora, os professores treinam cerca de cinco alunos do projeto – aqueles que têm condições de chegar à uma academia na área central da cidade, e que cede gratuitamente o espaço para os treinos.

“Todo o mundo sabe que o esporte pode mudar a vida das pessoas, então não tem melhor jeito de mudar a vida de alguém do que oferecendo esporte. Nós atendemos crianças com condições familiares difíceis, mas quando elas têm uma meta, uma visão do futuro por meio do esporte, elas se concentram mais em fazer coisas boas”, diz Antonio, que espera ansioso a retomada completa do projeto.

Vida no esporte

O irmão mais velho de Brenda também era um treinador voluntário no projeto. Depois de um tempo no Brasil com a família, mas deprimido por não poder competir, ele decidiu retornar à Venezuela, em um cenário de incertezas, para buscar oportunidades no Taekwondo, que eram limitadas aqui por conta de sua nacionalidade.

Com a ajuda e o financiamento da família que vive no Distrito Federal, ele consegue treinar e hoje representa a Venezuela em competições internacionais.

“Meu irmão e eu crescemos neste mundo. O esporte levou a gente a ser o que somos agora, e ele conseguiu seguir seus sonhos”, diz Brenda.

Brenda e Antonio também querem seguir seus sonhos. Por isso, ambos estão estudando português para buscar a naturalização. Assim, terão a possibilidade de continuar trabalhando com o Taekwondo e, quem sabe, representar com orgulho o país que os acolheu em grandes competições.

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