Conselho Universitário avança debate para mudança de nome do campus da UFSC

Estudantes empunham cartazes com perseguidos políticos. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC

Depois de mais de quatro horas de sessão ordinária, o Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) decidiu nesta terça-feira, 29 de abril, que irá votar, em nova reunião, as propostas de encaminhamento do relatório da Comissão da Memória e Verdade (CMV-UFSC). Entre as recomendações, está a retirada do nome do Campus de Florianópolis, batizado em homenagem ao primeiro reitor da instituição, João David Ferreira Lima. A CMV-UFSC apurou que Ferreira Lima colaborou com a ditadura civil-militar brasileira, denunciando membros da comunidade universitária. A sessão de terça-feira foi tomada por manifestações, lotando o Auditório da Reitoria, em Florianópolis.

Para a próxima sessão, o professor Ubirajara Franco Moreno, que é o conselheiro-relator do processo que encaminha as recomendações da CMV-UFSC, deve acatar algumas propostas apresentadas ao final da reunião de terça-feira, revisando seu voto. Há ainda dúvidas de como deve ser conduzido o rito para o processo de retirada de homenagens concedidas pela UFSC. O professor Ubirajara defende, em seu parecer, que se deva respeitar o mesmo trâmite da concessão da honraria, considerando o princípio da simetria.

O professor lembrou que o objetivo ao se acatar as recomendações da CMV-UFSC não é tratar exclusivamente do caso do ex-reitor João David Ferreira Lima, mas de todas as honrarias que são concedidas pela UFSC. Tanto o relator como outros conselheiro lembraram que a pauta é questão de memória da Universidade, para além do caso específico do primeiro reitor da instituição. Além disso, haveria outras denúncias de perseguição a membros da comunidade universitária feita por outros servidores públicos à época da ditadura civil-militar, conforme relataram alguns membros

Professor Daniel Castelan mostra documento ‘confidencial’ que indica denúncias feitas pelo ex-reitor. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC

do conselho.

Cartazes e manifestações estudantis

De qualquer forma, embora não estivesse em votação, alguns conselheiros que fizeram o uso da palavra na terça-feira já se manifestaram favoráveis à retirada do nome de João David Ferreira Lima do Campus de Florianópolis. O Auditório da Reitoria estava lotado e não foram somente os conselheiros que falaram. De início, a sessão estava programada para a Sala dos Conselhos, que também fica na Reitoria, mas tem menor capacidade.

Às 14h, hora marcada para início da sessão, a sala estava lotada e alguns conselheiros sequer haviam entrado. Estudantes, servidores técnico-administrativos em educação e outros membros da comunidade empunhavam cartazes e usavam camisetas em protesto, muitos de pé na sala.

Alunos levantaram cartazes com fotos de desaparecidos ou perseguidos durante a ditadura civil-militar. O Diretório Central de Estudantes (DCE) levou uma faixa, questionando a localização de mortos e desaparecidos. O reitor da UFSC, professor Irineu Manoel de Souza, que também é o presidente do Conselho Universitário, tomou a iniciativa de propor a sessão aberta e a troca de local.

Já no Auditório da Reitoria, um grupo de estudantes pediu a palavra para uma manifestação sobre as condições da Moradia Estudantil, do Restaurante Universitário e a manutenção dos serviços terceirizados, como vigilância. O professor Irineu elencou as ações que a UFSC tem feito para sanar as dificuldades nesses assuntos, como a instituição de comissões de trabalho e a licitação para melhoramento da Moradia Estudantil.

Gabriel, neto de João David Ferreira Lima, e a advogada Heloisa Blasi Rodrigues (falando ao microfone). Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC

Polêmica está na recomendação número 6

Ao entrar na pauta do dia, o primeiro conselheiro a falar foi o professor Ubirajara, que leu o relatório e seu voto. Ele apontou que, das 12 recomendações da CMV-UFSC, há aquelas que já foram acatadas, outras em andamento e algumas que precisam ser apreciadas ainda. A publicação de um livro que trata do relatório final da comissão e a criação de um acervo para guarda de documentos, por exemplo, já foram executadas. Mas há outras, como a instituição de um memorial, e, a mais polêmica, a retirada da homenagem a João David Ferreira Lima, incluída na recomendação número 6: “reavaliação das homenagens anteriormente concedidas a pessoas envolvidas em denunciações e perseguições”.

Após a leitura do voto do relator, o presidente do conselho passou a palavra à advogada Heloisa Blasi Rodrigues, que defende os interesses da família de João David Ferreira Lima. Ela argumentou que a CMV-UFSC não teria legitimidade para elaborar o relatório do assunto, pois teria de ser formada somente por membros do Conselho Universitário, o que não é o caso. A advogada descreveu esse ponto como “nevrálgico” e “vício de origem”, ou seja, o entendimento que o regimento impediria a formação de comissões com membros externos. Por fim, solicitou a nulidade do relatório.

A família de João David Ferreira Lima já havia pedido a impugnação do relatório em 2023 com alguns argumentos, incluindo a composição dos membros da comissão. À época, a Procuradoria Federal junto à UFSC, destinatária da petição, entendeu que se tratava de matéria do Conselho Universitário e esse teria competência para decidir a respeito. Porém, conforme relatado no processo, não haveria impedimento regimental de a comissão ser mista – formada por membros e não membros do conselho. Além disso, segundo a CMV-UFSC, a advogada da família foi ouvida durante os trabalhos da comissão e antes da elaboração do relatório final.

Público aplaude de pé a Comissão da Memória e Verdade (CMV-UFSC) após leitura do relatório. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC

“A luta será lembrada; aqui estão os herdeiros da Novembrada!”

Na terça-feira, Gabriel Ferreira Lima, neto do primeiro reitor da UFSC, esteve todo tempo ao lado da advogada da família, na primeira fila de cadeiras do Auditório da Reitoria. Ele empunhava o livro UFSC: em nome da verdade, lançado pela advogada Heloisa Blasi Rodrigues. O texto é a versão dela para o que considera inconsistências do processo. O parecer do professor Ubirajara considera até incluir o volume no acervo da memória do caso, atendendo assim um dos pedidos da petição da família, que tratava da igualdade de divulgação dos entendimentos. Mas quanto à requisição de nulidade do relatório, a petição foi considerada improcedente.

Após a manifestação da advogada, o reitor da UFSC chamou os membros da CMV-UFSC para ler o relatório final da comissão. O professor Daniel Castelan, que presidiu os trabalhos, se dirigiu diretamente à família, lembrando que João David Ferreira Lima fez muito pela UFSC em seus primórdios. Porém, conforme o professor, também é verdade que o primeiro reitor da UFSC agiu de forma ativa para denunciar o que descrevia como “ato subversivo”, contribuindo com a repressão de então.

O professor Castelan apresentou documentos reunidos pela comissão, resgatados entre aqueles que não foram destruídos, onde há participação de João David Ferreira Lima em uma “Comissão de Inquérito”. Tal ação produziu mais de 130 ofícios, com denúncia a membros da própria comunidade universitária. Ao fim da exposição, o professor foi aplaudido de pé e os presentes começaram gritaram em coro: “a luta será lembrada; aqui estão os herdeiros da Novembrada!”

Professor Ubirajara Franco Moreno (à esquerda) lê o parecer. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC

Conselheiro lembra da própria mãe torturada e traumatizada

Na sequência, o conselheiro Rodrigo Moretti fez um relato pessoal sobre a mãe, que morreu há alguns anos vítima de Alzheimer. O conselheiro lembrou que ela foi presa e torturada pela ditadura. A doença, disseram os médicos, pode ter sido agravada pelas sequelas que ela carregava. Entre os danos, havia também os psicológicos: ela não dormia de luz apagada e não se sentava na cadeira do dentista – justamente a atividade de Moretti, que nunca pôde tratar da própria mãe. Quando, em uma sala de aula, o conselheiro encontrou a filha do torturador da mãe, que seria sua professora, não puderam se falar. A professora desistiu de lhe dar aula, abdicando, envergonhada, da turma. “É horrível para todas as partes. É um assunto muito delicado”, disse.

O conselheiro Lucas Brum usou a palavra para comentar que não se trata de “um julgamento de uma família, mas dos excessos cometidos pela Universidade”. Também se manifestaram as conselheiras Isadora Dymow e Luiza Pereira, além de Lucas Bonatto, Tiago Montagna, Alex Degan, Paulo Horta, Luiz Felipe Paiva, Jorge Balster e Jacques Mick. Pouco depois das 18h30, decidiu-se por marcar nova reunião e concluir as manifestações e as apreciações sobre o tema.




















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