
Dossel da Floresta tem impacto no ciclo hidrológico e ajuda a compreender mudanças climáticas (Divulgação)
Um projeto da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com o Instituto Mamirauá, que investe em ciência, tecnologia e inovação para a conservação e uso sustentável da biodiversidade da Amazônia, vai permitir que se compreenda melhor os efeitos das mudanças climáticas nas áreas de várzea da região, especialmente no Médio Solimões. O objetivo é estimar quanto da chuva que atinge o dossel da floresta chega efetivamente ao solo e qual percentual retorna à atmosfera por evaporação.
O dossel é a parte superior da floresta, formada pelas copas das árvores, uma espécie de teto natural que cobre o solo da floresta. A iniciativa faz parte do esforço do Instituto Mamirauá para consolidar uma rede de monitoramento hidrometeorológico na região. “A parceria com o Laboratório de Hidrologia (LabHidro) da UFSC surgiu a partir de um interesse comum: entender como a vegetação influencia o ciclo hidrológico regional por meio da interceptação da chuva”, explica o pesquisador Luiz Felipe Pereira de Brito, mestrando na pós-graduação em Engenharia Ambiental e um dos responsáveis pelo projeto.
Entender como a chuva é interceptada pelo dossel florestal é essencial para avaliar o balanço hídrico nas várzeas amazônicas, onde o regime de cheia e seca define o funcionamento dos ecossistemas e impacta diretamente a vida das comunidades ribeirinhas. Segundo Brito, a água da chuva tem papel decisivo na recarga dos corpos d’água, na umidade do solo e na disponibilidade de recursos naturais como alimentos e água potável. “Saber o quanto da chuva realmente chega ao solo e o quanto retorna à atmosfera por evaporação ajuda a melhorar modelos hidrológicos, prever secas e cheias e compreender como o funcionamento da floresta pode ser afetado pelas mudanças climáticas”.

Equipamentos de medição são feitos com objetos de baixo custo
Para estimar a interceptação, os pesquisadores monitoram três variáveis principais: a chuva total (que atinge a copa das árvores), a chuva interna (que atravessa o dossel e chega ao solo) e o escoamento pelo tronco (água que escorre pelas árvores até o chão). Os equipamentos utilizados — como pluviômetros artesanais, calhas de PVC e mangueiras espiraladas — foram elaborados com materiais de baixo custo, o que facilita a replicação do experimento em outras áreas. Em abril, os pesquisadores desenvolveram uma oficina de confecção dos dispositivos com os alunos do ensino fundamental da Escola Municipal Divino Espírito Santo do Jarauá, com o objetivo de compreender a distribuição espacial da chuva na comunidade.
“Tivemos a oportunidade de interagir com os alunos da escola e construir juntos pluviômetros artesanais com garrafas PET. Além do aprendizado prático sobre como medir a chuva, a atividade gerou curiosidade e engajamento com a ciência. Foi também uma forma de valorizar o conhecimento local e aproximar a pesquisa científica da realidade das comunidades ribeirinhas”, pontua o pesquisador.
Ele explica que a chuva total é medida com pluviômetro artesanal, já a chuva interna é monitorada tanto com eles, quanto com calhas de PVC que direcionam a água da chuva para galões de coleta. “O escoamento pelo tronco é monitorado utilizando mangueiras cortadas longitudinalmente e instaladas em espiral ao redor dos troncos das árvores, conectadas a galões que armazenam a água coletada”.
Floresta e restinga
A escolha pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá como foco de pesquisa se deu pelo fato de ser uma das maiores áreas protegidas de várzea da Amazônia, com uma biodiversidade única e uma população ribeirinha que depende diretamente dos recursos naturais. Além disso, segundo Brito, é uma das poucas áreas que já contam com uma rede de monitoramento hidrometeorológico em operação, o que torna possível complementar os dados com novas pesquisas. Outro fator importante foi a estrutura e apoio oferecidos pelo Instituto Mamirauá viabilizaram a pesquisa em sua logística e trabalho de campo.
Nos próximos meses, a equipe, formada também por Ewerthon Cezar Schiavo Bernardi, sob orientação do professor Pedro Chaffe e do pesquisador Ayan Fleischmann, vai continuar a coleta de dados durante diferentes períodos para entender como a interceptação varia ao longo do ano. Os cientistas também estudam a interceptação da chuva nas áreas de restinga da bacia hidrográfica da Lagoa do Peri, em Florianópolis, o que permitirá comparar os resultados obtidos em diferentes tipos de vegetação.
O LabHidro já desenvolve trabalhos sobre interceptação da água da chuva em áreas remanescentes de restinga na Lagoa do Peri para estimar quanto da chuva que atinge o dossel da floresta chega efetivamente ao solo e qual percentual retorna à atmosfera por evaporação. “Levar esse tipo de experimento para a floresta de várzea amazônica amplia o escopo da pesquisa, pois diferentes tipos de vegetação apresentam características estruturais, como densidade do dossel, altura das árvores e composição foliar, que influenciam diretamente a dinâmica da interceptação. Ao estudar esse processo em distintos biomas, com vegetações e regimes de chuva diferentes, é possível compreender melhor os fatores que controlam a redistribuição da água da chuva pela vegetação”, destaca.