História do Sul da Ilha – parte 9

ERASMO ANTUNES e o trevo do Erasmo
história do trevo do Erasmo

Erasmo João Antunes nasceu em 12 de agosto de 1923 na comunidade do Alto Ribeirão da Ilha, mais precisamente na Vila de Santo Estevão.

Erasmo é filho de João Francisco Antunes, ou Doca Antunes como era conhecido, e de Maria José Antunes. O casal Antunes criou os filhos, Esmeraldina, Edmundo e Erasmo, tirando o sustento da lavoura. Plantava Mandioca, melancia, feijão, banana com fartura, cana de açúcar e principalmente café. Os grãos secos de café, também denominados de café em coco, eram vendidos para as fabricas de torrefação de fora e da própria comunidade. Norberto Euclides da Silva da Freguesia do Ribeirão da Ilha era um dos maiores compradores.

Erasmo só sobreviveu graças à dedicação e os cuidados de sua mãe. Desde pequeno sofria de bronquite asmática tendo sido por diversas vezes internado no hospital de caridade, principalmente no período do inverno e por milagres não padeceu. Muitas vezes foi socorrido pelas benzedeiras e pelas ervas medicinais (chás caseiros). Seus exames de sangue acusavam sinais de tuberculose, mas como nos exames de catarro não ficava evidente, foi diagnosticado portador de bronquite asmática. Só se libertou deste mal na década de 1950 graças ao avanço da medicina e ao tratamento no Hospital Nereu Ramos com o Dr. Isaac Lobato, um médico vindo de Joinville.

Devido sua doença, seu pai não o levava para a lavoura, mas jamais o deixou sem trabalhar, livrando-o da preguiça. Erasmo já havia completado dez anos de idade quando seu pai, Doca Antunes, abriu uma porta na sala de sua casa e colocou algumas mercadorias para que o jovem menino desenvolvesse suas habilidades para o comércio. Tá aí o início da história de sucesso do grande comerciante do Sul da Ilha que será sempre lembrado quando passarmos pelo Trevo do Erasmo.

Os primeiros produtos vendidos eram querosene, sal, açúcar refinado, ferramentas usadas na lavoura e na construção civil, cereais (arroz, feijão), gêneros alimentícios, fumo de corda, louças de barro, calçados e principalmente o tamanco que vendia uma dúzia de pares por semana. Com exceção das louças de barro que vinham da Ponta de Baixo, em São José por lancha até o Porto do Contrato um pouco antes da Capelinha do Barro Vermelho, na Freguesia do Ribeirão da Ilha, as demais mercadorias eram trazidas do centro da cidade principalmente do Mercado Público, das Casas Hoepcke e Comercial Maia.

Seu Erasmo relata que por ocasião da segunda guerra mundial, de 1940 a 1945 muitos produtos foram racionados e a venda passou a ser controlada, especialmente o querosene, o sal e o açúcar refinado. O querosene era um dos itens indispensáveis nas moradias numa época em que não havia energia elétrica e neste período de crise era necessário dirigir-se até a intendência da Prefeitura da Freguesia do Ribeirão da Ilha ou da Lagoa da Conceição e passar a noite em filas para adquirir o produto. Toda quarta feira Erasmo se deslocava até o mercado público para fazer compras onde era realizada uma feira de diversos produtos. Vinham comerciantes de diversas regiões como Santo Amaro da Imperatriz, Antônio Carlos, Alfredo Wagner, Palhoça, Biguaçu, Tijucas… para negociar na feira. Chegavam de carros ou carroças pela Ponte Hercílio Luz, e até de barcos que atracavam no cais do Mercado Público e da Alfândega. Era muito movimento, como se fosse um dia de festa.

Em 1942 começou a pagar o IAPETEC (Instituto de Aposentados e Pensionistas de Transportes de Cargas) e se aposentou por este Instituto em 1952 devido suas graves e sucessivas crises de bronquite asmática. Mas a vontade de trabalhar falou mais alto, tendo sua vida dedicada ao comércio. Para pagar ao IAPETEC era necessário ser proprietário ou trabalhar com transporte de cargas. Seu Erasmo era dono de uma carroça e dois cavalos indispensáveis em sua atividade de comerciante.

Em 13 de julho de 1946, aos 22 anos de idade e após três meses da morte de sua mãe, (que faleceu aos 48 anos de idade, em consequência da tuberculose), Erasmo João Antunes casou-se com Leonor Florinda Antunes, carinhosamente conhecida como Dona Nonô, com quem viveu por 34 anos. Desse casamento nasceram os filhos Mauro, Moacir, Milton e Mario, sendo este o mais velho dos homens e o único filho homem que não seguiu a profissão do Pai, foi ser militar da aeronáutica. Nasceram também as filhas: Maria Leonor, conhecida como Mariquinha (a primogênita), Márcia e Mirian. Casado, Erasmo continuou morando com o pai por mais quatro anos até este casar-se novamente.

Em 1936 com treze anos de idade Erasmo ainda não usava calças compridas o que diferenciava um homem de um menino. Seu Norberto Euclides da Silva, dono de um micro-ônibus que transportava cargas e passageiros três vezes por semana para o centro da cidade o advertia: “Erasmo tá na hora de usar calça comprida e pagar a passagem por inteiro”. O valor da passagem integral era mil e quinhentos rés e criança pagava a metade.

Um fato interessante se deu quando Erasmo Antunes, no ano de 1945, foi se alistar no Exército. Relatou para o comandante que não poderia servir, pois sofria de bronquite asmática. Mesmo com a advertência Erasmo foi convocado para servir a Pátria. No primeiro dia de instrução na Mata do Sapé tomou uma forte chuva e no dia seguinte a bronquite se manifestou, foi internado em Estado grave por uma semana. Após receber alta foi comunicado de sua dispensa, até então achavam que ele estava mentindo para não servir em época de guerra.

Um pouquinho sobre seu pai: Doca Antunes

Em 1940 Seu Erasmo ouviu pela primeira vez uma emissora de rádio. Era a Rádio Tupi do Rio de Janeiro. O aparelho de rádio seu pai comprou de um marinheiro mercante da cidade de Santos que trazia da Holanda por encomenda. Era um rádio da marca Philips Holandês. Antes de Doca Antunes, Aparício Cordeiro e também José Olímpio Vieira (Candonga) já eram possuidores desta grande novidade da comunicação. 
Doca Antunes pagou dois contos de rés pelo aparelho. Pagou com dinheiro da safra da tainha daquele ano. Ele tinha uma lancha e um rancho de pesca na Praia da Armação do Pântano do Sul e uma canoa e um rancho de pesca na praia do Campeche aos cuidados de Onofre Faustino. Com a morte da mãe, Erasmo e seu irmão Edmundo herdaram a lancha da Armação e a venderam posteriormente sem lembrar para quem. Já a canoa do Campeche seu pai vendeu para o pescador Manoel Rafael Inácio, seu Deca Rafael.

Erasmo relata que nos arrastões da praia do Campeche os peixes vinham em fartura e ele, juntamente com Hermínio Faustino, iam de carroça até o Mercado Público vender o pescado. Me confidenciou que nunca gostou muito desta atividade pois era muito trabalhosa e o peixe não tinha preço.

Doca Antunes tinha uma forte relação de amizade com Onofre Faustino e por volta de 1950 fez um salão de baile para o amigo tocar nas proximidades da Lagoa da Chica. Doca Antunes ficou viúvo em 1946 e três anos depois se casou com Cezária Bregue conhecida como Dona Bola, nativa do Campeche, filha de Eliazário João Bregue, com quem teve mais quatro filhos. Doca Antunes veio a falecer em 23 de setembro de 1975.
Voltamos ao personagem central: Erasmo Antunes

Seu comércio estava de vento em poupa, apesar das dificuldades, pois o dinheiro estava concentrado nas mãos de poucos e a moeda quase não circulava. Era um tempo em que as trocas prevaleciam. Trocava-se de tudo, até mesmo terrenos por terrenos, levando-se em consideração a localização. Bois, vacas, cavalos, farinha, peixe café também se transformavam em moedas de troca.

Muitas vezes Erasmo João Antunes vendia fiado e aguardava a farinhada, as safras de café, da tainha, da anchova e outros pescados para receber. Boa parte de seus clientes não eram assalariados. ”A população era pouca e os tempos eram muito difíceis. Sempre atendi a todos igualmente e na confiança. Anotava os preços e produtos em cadernetas. Nunca cobrei se quer um centavo de juros. Foram poucos os que não cumpriram com seus compromissos. Nunca saí de casa para cobrar dívida de quem quer que fosse. Segui os passos de meu pai que nunca teve ganância em ficar rico. Minha relação com meus concorrentes sempre foi cordial, de respeito e até mesmo de amizades. Tirei do comércio o sustento para minha família. Mais do que isso, tenho certeza que servi a minha comunidade.”

Em 1950 Erasmo dá um salto muito grande em sua atividade e uma guinada em sua vida. Alugou uma casa comercial no trevo do Ribeirão, que passou a ser conhecido como Trevo do Erasmo. Foi aí que deixou a casa do pai e mudou-se para lá. Ali já funcionava o comércio do Isac Tavares da Costa, (pai do Arlindo da Costa, dono da Empresa de Pescados Pioneira). A casa era herança da esposa do Isac, dona Ida.

Erasmo pagou aluguel por dez anos quando, em 1960, comprou a propriedade e em 1968 desmanchou a casa e fez uma nova edificação nos fundos para o comércio e moradia. Com o alargamento da estrada para o asfaltamento no final da década de 1970 a mesma passou a ficar a beirar da estrada. Em 1956, a rede de energia elétrica chegou ao Ribeirão da Ilha, passando pela Base Aérea, e finalizando na freguesia do Ribeirão. Seis anos mais tarde, ou seja, em 1962 a energia elétrica estendeu-se da entrada da Tapera até o Trevo do Erasmo.

Ainda nos anos de 1950, Erasmo passou a vender tecidos em metro (corte de fazenda), linhas e acessórios para costura. Os tecidos eram para confecções de roupas e, principalmente os tecidos pan-americanos, para confecções de lençóis, travesseiros e colchões. Os colchões eram enchidos com capim colchão e os travesseiros com marcela retirados em sua maioria na campina, região da atual Rua do Gramal no Campeche. Sua esposa fornecia linhas para confecção de rendas em consignação, pois comprava posteriormente as rendas das rendeiras quando se dava o desconto das linhas.

Em 1960 ele agregou um novo produto em seu estabelecimento comercial. Passou a vender confecção, ou seja, roupa pronta que ia buscar em São Paulo e acredita que foi um diferencial que fez com que seus negócios se consolidassem de vez.

Quatro coisas foram fundamentais para alcançar o sucesso: variedades de produtos vendidos, desde tecidos até alguns remédios; a dedicação de sua esposa no atendimento do balcão, o auxilio de seus filhos já crescidos e a fidelidade e respeito de seus clientes.

Muitas vezes Erasmo teve seu sono interrompido na madrugada, pois quando alguém morria seu comércio era procurado para aquisição de tábuas de pinho para confecção do caixão, pregos, tecidos de chita preta para forrá-lo, cordas para alça e o galão que era uma espécie de fita dourada pregada em volta do caixão para que não ficasse todo preto. Quando o defunto era criança a chita era azul ou branca. Vendia fiado para pagar quando pudessem.

Mas Erasmo Antunes também é um homem inserido em sua comunidade. Aos domingos pela manhã, reunia a família e todos iam de carroça até a casa de retiro do Morro das Pedras para a missa. Todos sentavam lado a lado no mesmo banco. Erasmo Antunes foi muito presente na construção desta casa de retiro contribuindo até mesmo financeiramente. A casa foi inaugurada em 1956. Somente após a missa é que o comércio era aberto para atendimento ao público. Foi ainda Imperador da Festa do Divino na Igreja Nossa senhora da Lapa da Freguesia do Ribeirão em duas ocasiões, em 1959 e 1961.

Em julho de 1980 Erasmo João Antunes deixou definitivamente sua vocação de comerciante após 47 anos de atividades. Em 20 e julho do mesmo ano juntamente com sua esposa Leonor e suas filhas Márcia e Mirim, já moças muda-se para a área continental da Ilha, no bairro do Estreito. Quatro dias após a mudança sua esposa sofreu um infarto e veio a falecer aos 54 anos de idade. Após esse triste episódio Erasmo e suas duas filhas retornaram para o Ribeirão da Ilha e passaram a morar na mesma casa do Trevo agora na companhia da filha Maria Leonor, substituta nos negócios do pai.

Então viúvo, Erasmo casou-se em 1983 com Edna Dellagiustina, natural de Braço do Norte, mãe de quatro filhos, e foi morar em um apartamento no centro da cidade com quem viveu até 2015, quando ela sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e seus filhos a levaram para cuidá-la visto que seria o melhor para os dois por serem já idosos. Neste ano de 2017 Edna completou 87 anos de idade.

Erasmo João Antunes vive hoje neste apartamento no centro da cidade carinhosamente cuidado por seus filhos. Embora sentindo-se um pouco cansado, com dores nas pernas, não deixa de frequentar todas as sextas f
eiras o grupo da terceira idade na Fazenda do Rio Tavares, o qual ajudou a criar e onde renova seu espírito e vitalidade, esse senhor de 94 anos de idade muito bem vividos.

Ele me confidencia que o grupo irá passear em breve para o Santuário de Madre Paulina, o que o deixa muito faceiro, pois passear foi sempre seu hobby, seu divertimento. Conta que por volta de 1970 foi de carro até Belém do Pará, juntamente com um filho e duas filhas ainda crianças para visitar seu filho Mario que foi transferido para lá, pois era militar da Aeronáutica. A viagem durou três dias e meio. Sem contar as inúmeras viagens que fez a Cidade de Aparecida do Norte e Iguape, em São Paulo. Uma delas, com um carro de aluguel do centro da cidade, na companhia dos amigos Candonga e João Rangel Laureano, este um comerciante do Trevo do Campeche.

No final de nossa conversa lhe fiz uma última pergunta. Seu Erasmo do que o senhor mais sente saudades? Sua voz embargou e sussurrou num tom mais baixo: “Sinto saudades dos meus pais e de minha esposa Leonor, fiel companheira e boa mãe que foi indispensável para o sucesso de nossa atividade comercial. A levarei sempre no meu coração”.

Quando iniciei a conversa confidenciei ao Seu Erasmo que minha primeira calça comprida brim coringa, minha camisa de tecido volta ao mundo e meu sapato de plástico foi comprado em seu comércio quando eu tinha tão somente seis anos de idade.

Me despeço agradecendo a tarde agradável que me proporcionou desejando-lhe muita saúde e paz.

Agradeço, além do Seu Erasmo que me recebeu muito bem em sua residência com direito a cafezinho e tudo, a filha Maria Leonor (Mariquinha) que complementou algumas informações e sua neta Viviane que me fez chegar até eles.

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Florianópolis, 15 de setembro de 2017

Texto: Hugo Adriano Daniel – [email protected]
Fotos: acervo pessoal da família.

 

Veja a História do Sul da Ilha – Parte 10.

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