Estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta 183 registros de pessoas desaparecidas por dia no país

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulga nesta segunda-feira o estudo inédito Mapa dos Desaparecidos no Brasil. Para compor o retrato de um fenômeno recorrente, que não recebe a devida atenção das autoridades, os pesquisadores da entidade analisaram mais de 300 mil registros das polícias civis entre 2019 e 2021, que indicam em média 183 desaparecimentos a cada dia no Brasil. Do total de ocorrências, 200.577 referem-se a pessoas desaparecidas, e outros 112.246, a pessoas localizadas no período. Além dos números, o estudo traça um perfil das pessoas desaparecidas em cada unidade da federação e avalia a qualidade dos registros produzidos pelas autoridades policiais. O trabalho envolveu ainda entrevistas com policiais civis, peritos e promotores de justiça com expertise no assunto.
“A intenção dessa primeira edição do Mapa dos Desaparecidos no Brasil é apurar o olhar para um fenômeno recorrente e que não tem recebido a devida atenção das autoridades. O Estado tem o dever de procurá-la e os familiares têm direito à verdade e, se for o caso, ao luto, inclusive nas ocorrências de desaparecimentos voluntários”, explica Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Como o desaparecimento em si não constitui crime, em geral seu registro não dá início a um inquérito para a investigação. Porém, o desaparecimento de uma pessoa pode estar associado a muitos fenômenos: o adolescente que foge de casa em função de maus tratos, a pessoa portadora de transtornos mentais que fica perdida, a exploração sexual, o trabalho escravo ou o desaparecimento forçado”.
No levantamento, a questão dos desaparecimentos é analisada por meio do estudo de quatro temas distintos, porém correlatos nesse tipo de ocorrência: quem são as pessoas que desaparecem cotidianamente, o registro de seu desaparecimento por familiares ou amigos, os bancos de dados de desaparecidos e o trabalho policial de localização. Homens são maioria, respondendo por 62,8%, do total das ocorrências contra 37,2% das mulheres. Outro dado interessante mostra que 30% dos desaparecimentos ocorrem às sextas-feiras e aos sábados, corroborando a percepção de policiais entrevistados para o estudo.
Mapa dos Desaparecidos no Brasil também mostra uma expressiva quantidade de adolescentes de 12 a 17 anos entre as pessoas desaparecidas, que representam 29,3% do total dos casos. Apesar de os adolescentes constituírem o principal grupo de desaparecidos na maior parte do país, o estudo pontua que o trabalho de investigação nestes casos em geral não é priorizado pelas Polícias Civis, por serem compreendidos como “problema de família”. Nessa perspectiva, não apenas as causas, mas também as responsabilidades e possibilidades de solução são deslocadas para o interior das unidades domésticas.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, a taxa média no Brasil é de 29,5 desaparecidos por grupo de 100 mil pessoas, enquanto a de adolescentes chega a 84,4 desaparecimentos para cada 100 mil pessoas, 2,8 vezes superior à média nacional. O estudo também permitiu um recorte de raça entre os casos analisados. Do total de ocorrências com informação étnico-racial nos boletins, 54,3% são pretos e pardos; 45%, brancos.
No caso das pessoas localizadas, que somaram 122.246 no período, ocorre o inverso: constata-se que que os pretos e pardos são 45,1% do total de localizados, contra 54,1% dos brancos localizados. Importante ressaltar que mais de mais de um quarto dos boletins (25,7%) analisados não contém informação sobre a raça das pessoas. Entre as pessoas localizadas, 60,3% são homens e 39,7%, mulheres. Os adolescentes de 12 a 17 anos são 30,1% do total dos casos.
A pandemia produziu impactos também no número de desaparecidos. De 2019 para 2021, a taxa caiu 22,3% em praticamente todas as faixas etárias, com exceção do número de desaparecidos entre 40 e 49 anos, que cresceu 2,6%. O estudo pontua que o crescimento nessa camada da população pode estar associado à perda de emprego e renda na pandemia.
“Adultos atingidos pelo desemprego e sem perspectivas de reinserção no mercado de trabalho, dado o contexto dos primeiros meses de pandemia, podem ter se somado às estatísticas dos desaparecimentos voluntários: sem renda, isolados pelo vírus e impossibilitados de pagar o aluguel, a única alternativa, para muitos, pode ter sido as ruas” afirma Talita Nascimento, pesquisadora do FBSP e uma das autoras do estudo. Segundo a publicação, pesquisa divulgada em 2021 pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas, da Universidade Federal de Minas Gerais, estimou que entre janeiro e maio de 2020, mais de 26 mil novas pessoas se encontravam em situação de rua no Brasil.
Mapa dos Desaparecidos inclui também uma discussão sobre a Lei 13.816/19, que cria a Política Nacional de Pessoas Desaparecidas, cujos resultados são, até o momento, nada animadores. “Infelizmente, estamos falando de um problema que atinge os brasileiros há décadas e que recebe pouca atenção do Poder Público. Os desaparecimentos são um problema que aflige famílias, que muitas vezes obtêm êxito em suas buscas por um familiar, mas em outras acabam vivendo com essa dúvida sobre seu paradeiro por décadas”, destaca Lima. “Com esse estudo, queremos jogar luz sobre esse problema e mostrar que existem soluções para integração de bancos de dados e trocas de informação entre os diferentes níveis federais, sem que sejam necessários grandes investimentos em tecnologia. Para o FBSP, o foco não deve ser concentrado só na tecnologia, mas, antes, na pactuação de protocolos, regras de cooperação inter e intrafederativa e, sobretudo, na ideia de que segurança, como um direito social, exige um olhar que não esteja preso às dinâmicas criminais apenas”.
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