Antigo morador de Florianópolis faz sucesso nas redes contando histórias da Ilha

Manezinho que nasceu e viveu até o início da idade adulta na praça Getúlio Vargas, Heitor Blum S. Thiago, 74 anos, passa parte de seu tempo alimentando uma página no Facebook com crônicas, relatos, reproduções de reportagens e imagens antigas sobre a Ilha de Santa Catarina.

Heitor Blum S.Thiago sentado na sala de sua casa em Florianópolis, ao lado de seu computador

Heitor Blum S.Thiago mantém página no Facebook para relembrar histórias de Florianópolis – Foto: Germano Rorato/ND

Ele traz no sangue a marca de uma família de políticos e administradores públicos que fizeram história em Florianópolis, como o empresário, ex-prefeito e ex-deputado Emílio Blum e os ex-prefeitos Heitor Blum e Acácio Garibaldi S. Thiago, hoje nomes de ruas na Capital. E mantém na memória as últimas etapas de transformação da cidade – um mal necessário, entende, porque nada é para sempre.

Ler seus depoimentos, ou relatos de terceiros que compartilha na internet, é aprender um pouco sobre a Florianópolis de figuras folclóricas, lugares icônicos e episódios que ficaram na lembrança dos moradores mais antigos. “O Esquecido”, o nome de sua página, é uma referência a si próprio, porque está acostumado a esquecer em casa o celular, a carteira e até a chave do escritório. Admite que não pretende alcançar os jovens, avessos a textos longos, o que inclui os próprios filhos e netos. “Escrevo para a manezada, para o público da minha época”, afirma.

A exemplo de outros internautas ou blogueiros que ajudam a preservar e difundir elementos caros à cidade, Heitor S. Thiago também escreve ou posta para ser lido e alimentar a memória alheia, embora não almeje lucros ou fama com o seu trabalho.

Advertindo que não é escritor nem historiador, ressalta que tem cerca de 5.000 “amigos” no Facebook, ainda que apenas 200 a 300 tenham o hábito de curtir suas postagens. Mede a repercussão pelos comentários, o que também ajuda a definir o perfil de seus seguidores. “Sempre procuro usar o humor, e vejo o resultado no sorriso das pessoas com quem me encontro”, afirma.

Na variedade de assuntos que aborda, é possível ler comentários ou o compartilhamento de matérias sobre figuras da sociedade florianopolitana, como Laíla Freyesleben (em episódio que popularizou a expressão “Arrombastes, Laíla!”, uma das frases repetidas pelos manezinhos mais empedernidos), e personalidades da área da cultura e da ciência, entre elas o padre João Alfredo Rohr, respeitado arqueólogo que pesquisou sobre o legado dos povos primitivos no litoral catarinense.

Ele também reproduz textos sobre o chargista Sérgio Bonson, que morreu em 2005, deixando uma legião de admiradores, tiras e personagens (como a cozinheira Valdirene, a AM, e o deputado Soiza, cujo lema era “Tudo pelo Soizial”) que depois foram reunidos em livros e viraram objetos de culto dos novos profissionais da caricatura.

Caricatura de Heitor Blum S.Thiago feita pelo chargista Sérgio Bonson – Foto: Arquivo pessoal/ND

De bicicleta pelas ruas de lama e barro de Florianópolis

Heitor Blum S. Thiago pegou o tempo em que os meninos jogavam bola no campo da Polícia Militar, na área central de Florianópolis, e em que se ia de bicicleta, por uma estrada empoeirada ou lamacenta, até as aulas do Colégio Catarinense. A cidade de 60 mil habitantes se transformou numa agitada aglomeração de cerca de 500 mil, queimando etapas sem que o planejamento e os planos diretores tenham dado conta das demandas dessa expansão gigantesca.

“Como prefeito, entre 1966 e 1970, meu pai Acácio Garibaldi S. Thiago calçou muitas ruas com lajotas, reduzindo a lama e a poeira da cidade, e chegou a convidar um adversário político para compor a sua equipe, pelo que foi muito criticado”, conta. A casa de Heitor Blum, seu avô por parte de mãe, foi tombada e ainda hoje ornamenta o entorno da praça Getúlio Vargas.

Ainda que Florianópolis já não tenha uma população predominantemente nativa (“não conheço mais ninguém, nem no prédio onde moro”, afirma), Heitor S.Thiago admite que o crescimento das cidades é inevitável. Atribui aos vereadores a responsabilidade por legislar sobre o tema e diz que é preciso preservar o patrimônio que ainda está de pé.

O impagável caso do robô que foi fazer xixi

Depois da pandemia, em 2020, passando mais tempo em casa, Heitor Blum S. Thiago passou a anotar casos e “causos” que viveu ou que chegaram até ele por distintas vias. A prática despretensiosa se tornou uma rotina, e hoje ele tem perto de 1.500 relatos e crônicas publicadas – cerca de 200 de sua própria lavra. Faz questão de citar a fonte quando se trata de uma reportagem que reproduz, e mescla tudo isso com pensamentos, mensagens (não de autoajuda), frases de pensadores, poetas e artistas em geral.

Entre os textos publicados por S. Thiago chamam a atenção os que se detêm em episódios engraçados que tiveram como cenário a cidade de Florianópolis. Um deles ficou conhecido como “Robô da Fainco” e aconteceu em 1968. Na época, a cidade foi atraída por um evento promovido com o intuito de mostrar novidades tecnológicas na indústria e no comércio, e um empresário local decidiu aproveitar a popularidade da série televisiva “Perdidos no espaço” para apresentar um robô na feira, realizada no campus da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), no bairro Trindade.

Mais que o evento, as pessoas queriam conhecer a máquina, pagando ingresso por isso, até que um vigia noturno da feira, desconfiado, resolveu ficar de espreita após a bolsa de uma visitante ter sido furtada bem no local onde o suposto robô circulava e ficava desligado à noite. A certa altura, ele percebeu que o robô descansou o pé numa parede e logo depois deu um espirro! Não pensou duas vezes: chamou a polícia, que descobriu a farsa, prendeu o robô e o dono, numa das madrugadas mais agitadas que Floripa já viveu.

A história tem mais duas versões, incluindo a de que um anão que ficava dentro da máquina de lata decidiu ir ao banheiro fazer xixi e foi desmascarada por alguém que o seguiu e ficou espiando por uma fresta…

A farsa do robô apresentado em evento de tecnologia virou crônica – Foto: Arquivo pessoal/ND

Inclusão social por meio da tecnologia

Formado em engenharia elétrica e administração de empresas, Heitor S. Thiago tem pós-graduações em marketing, computação e gestão da inovação. Depois de trabalhar muitos anos na antiga Telesc (Telecomunicações de Santa Catarina), sempre na área de informática, seguiu carreira como analista de sistemas e programador de computadores, até que passou a fazer parte do CPDI (Criando Pontes Digitais Inclusivas), associação que oferece cursos e formação com foco na inclusão social, onde é hoje diretor executivo.

“Já beneficiamos mais de 30 mil pessoas em todo o Estado”, informa. Os beneficiados têm entre 16 a mais de 60 anos, dentro da missão de “transformar vidas, fortalecer comunidades por meio da formação em tecnologias da informação e comunicação e de um aprendizado complementar voltado à prática da cidadania e do empreendedorismo”.

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